SENTIDOS DO HUMOR, TRAPAÇAS DA RAZÃO, A CHARGE

 ...ou, o humor levado a sério.

Luiz Guilherme Sodré Teixeira. Sentidos do Humor, trapaças da razão, a charge. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2005, 128 páginas.

Márcio José Melo Malta*

Luiz Guilherme Sodré Teixeira não é um neófito no campo da pesquisa das charges políticas. Sua estréia na temática veio a partir da coleção “papéis avulsos”, com o título “O traço como texto: a história da charge no Rio de Janeiro de 1860 a 1930” (FRCB, 2001).

            Contudo o livro “Sentidos do Humor, trapaças da razão, a charge”, registra um autor mais maduro. Ciente das dificuldades expressas no estudo de seu objeto, Teixeira obtém variados êxitos, desde a ousadia da escolha do tema do estudo – a charge e seus sentidos; passando pela precisão com que define e separa as diversas formas de desenho de humor: charge, caricatura e desenho de humor.

            A presente resenha não busca esmiuçar a publicação, mas antes levantar os tópicos julgados mais proveitosos.

           Nesse sentido, a discussão proposta acerca da imagem consegue verbalizar algumas das agruras dos pesquisadores que optam por trabalhar com material iconográfico. A discussão em torno da aceitação da imagem na academia é um dos pontos mais férteis expostos por Luiz Guilherme. O autor consegue apontar a ausência de um lugar próprio para a iconografia no interior da academia.

         As ciências humanas – com exceção da Antropologia e Comunicação – não reconhecem a imagem como veículo portador de informação e com a capacidade de se auto-expressar. A imagem seria utilizada corriqueiramente como uma ilustração secundária, um mero suporte para textos. Segundo o autor, o não aproveitamento da charge se deve a um culto do texto como única fonte capaz de produzir verdades, reproduzindo o velho ranço academicista, de tradição cartesiana.  Teixeira chega a postular a criação de uma “ciência social da imagem”, no entanto – de maneira sóbria – reconhece as dificuldades de tal ordem  e propõe algo mais produtivo, uma Filosofia da Imagem.

 

       

         A imagem goza de dupla identidade, caracterizando-se tanto como documento social e como objeto cultural. Talvez a preocupação dos sábios de gabinete seja justamente a imprevisibilidade da imagem, não conclusiva, posto que permite diversas interpretações com seu caráter lúdico. Tal preconceito remonta a uma questão mais complexa, acerca da desqualificação do humor perante a razão, que irá ser exposta historicamente no texto embasado, principalmente, na teoria de Mikhail Bahktine.      

 

        O livro “Sentidos do Humor, trapaças da razão”, a charge está inscrito em um gênero que tem em seus primórdios o artigo “A caricatura no Brasil”, de Monteiro Lobato. No entanto, o ápice de tal campo está nos volumes de “A história da caricatura no Brasil”, de Herman Lima. Desde o lançamento do clássico de Lima, em 1963, poucos foram os esforços para o desenvolvimento dos estudos que priorizam o desenho de humor como objeto. Apenas algumas exceções honrosas merecem destaque, como o trabalho de Marco Antonio da Silva, “Prazer e poder do Amigo da Onça” e pesquisas de Isabel Lustosa, também do setor de História da FRCB. Ou seja, o tratamento de conteúdo teórico dado ao desenho de humor pode ser considerado uma raridade. Assim, o livro de Teixeira, publicado em 2005 é uma leitura não só prazerosa, mas de pertinência e utilidade ímpar, diante de tal escassez de estudos na área.

 

       Dentre os gêneros de humor, a charge seria o mais complexo por seus mecanismos próprios. No capítulo que diz respeito à charge, Teixeira define a mesma como “um traço de reflexão através do humor, que reproduz sujeitos reais e resume conflitos políticos” (p.73). Um dos fatores que distinguem a charge é a sua agressividade na forma, posicionando-se sempre como uma figura de oposição. A charge vai além, o seu desafio é produzir uma “identidade por diferença”, pois ela reproduz sujeitos reais através de personagens fictícios.

 

       A riqueza da charge demonstra-se na sua capacidade em registrar o cotidiano político da sociedade. Este é um dos seus sentidos expressos. Adicionado a isto, a charge funciona como um “porta-voz da sociedade”, permitindo a construção de um ponto de vista, ou seja, a transformação do fato em uma posição acerca do mesmo, denotando a perspectiva ativa de tal atividade.

 

       Para Teixeira, não ter sentido seria o sentido da charge. Neste ponto o autor – ao alçar o seu vôo-livre – patina ao desviar sua analise de caráter mais objetivo, pois confere à charge o status de desordem no plano da ordem. O autor peca na ausência de uma postura mais crítica e factual, pois observa o deslumbramento com a intitulada pós-modernidade – tão individualizante – e um não reconhecimento do papel social/coletivo da charge, sendo a mesma, muitas vezes, alvo da censura dos donos dos meios de comunicação. O autor ganha créditos ao detectar a agressividade na forma da charge, mas exagera ao enfatizar um “delírio” em seu mecanismo.

 

      Críticas à parte, o próximo trabalho de Luiz Guilherme Sodré Teixeira é esperado com ansiedade, pois não só os pesquisadores como os próprios chargistas agradecem tais manifestações de apreço à arte da charge.

 

* O autor da resenha é mestrando do Programa de Pós-Graduação de Ciência Política do IFCS/UFRJ e prepara dissertação de mestrado sobre “Charges do Jeca Tatu, identidade nacional e política brasileira”. Somado a isso, é cartunista profissional, onde assina com o pseudônimo de Nico.

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