Márcio José Melo Malta*
Luiz Guilherme
Sodré Teixeira não é um neófito no campo da pesquisa das charges políticas. Sua
estréia na temática veio a partir da coleção “papéis avulsos”, com o título “O
traço como texto: a história da charge no Rio de
Janeiro de
Contudo o livro “Sentidos
do Humor, trapaças da razão, a charge”, registra um autor mais maduro. Ciente
das dificuldades expressas no estudo de seu objeto, Teixeira obtém variados êxitos,
desde a ousadia da escolha do tema do estudo – a
charge e seus sentidos; passando pela precisão com que define e separa as
diversas formas de desenho de humor: charge, caricatura e desenho de humor.
A presente resenha não busca esmiuçar
a publicação, mas antes levantar os tópicos julgados mais proveitosos.
Nesse sentido, a discussão proposta acerca da imagem consegue verbalizar
algumas das agruras dos pesquisadores que optam por trabalhar com material
iconográfico. A discussão em torno da aceitação da
imagem na academia é um dos pontos mais férteis expostos por Luiz Guilherme. O
autor consegue apontar a ausência de um lugar próprio para a iconografia no
interior da academia.
As ciências humanas
– com exceção da Antropologia e Comunicação – não reconhecem a imagem como veículo portador de informação e com a
capacidade de se auto-expressar. A imagem seria utilizada corriqueiramente como
uma ilustração secundária, um mero suporte para textos. Segundo o autor, o não
aproveitamento da charge se deve a um culto do texto como única fonte capaz de
produzir verdades, reproduzindo o velho ranço academicista,
de tradição cartesiana. Teixeira chega a
postular a criação de uma “ciência social da imagem”, no entanto – de maneira
sóbria – reconhece as dificuldades de tal ordem
e propõe algo mais produtivo, uma Filosofia da Imagem.
A imagem goza de
dupla identidade, caracterizando-se tanto
como documento social e como objeto cultural. Talvez a preocupação dos sábios de gabinete seja justamente a
imprevisibilidade da imagem, não conclusiva, posto que permite diversas
interpretações com seu caráter lúdico. Tal preconceito remonta a uma questão
mais complexa, acerca da desqualificação do humor perante a razão, que irá ser
exposta historicamente no texto embasado, principalmente, na teoria
de Mikhail Bahktine.
O
livro “Sentidos do Humor, trapaças da
razão”, a charge está inscrito em um gênero que tem em seus primórdios o
artigo “A caricatura no Brasil”, de
Monteiro Lobato. No entanto, o ápice
de tal campo está nos volumes de “A
história da caricatura no Brasil”, de
Herman Lima. Desde o lançamento do clássico de Lima,
em 1963, poucos foram os esforços para o desenvolvimento dos estudos que
priorizam o desenho de humor como objeto. Apenas algumas exceções honrosas
merecem destaque, como o trabalho de Marco Antonio da Silva, “Prazer e poder do Amigo da Onça” e
pesquisas de Isabel Lustosa, também do setor de História da FRCB. Ou seja, o
tratamento de conteúdo teórico dado ao desenho de humor pode ser considerado
uma raridade. Assim, o livro de Teixeira, publicado
em 2005 é uma leitura não só prazerosa, mas de pertinência e utilidade ímpar,
diante de tal escassez de estudos na área.
Dentre os gêneros de humor, a charge
seria o mais complexo por seus mecanismos próprios. No
capítulo que diz respeito à charge, Teixeira define a mesma como “um traço de reflexão através do humor, que
reproduz sujeitos reais e resume conflitos políticos” (p.73). Um dos fatores que distinguem a charge é a sua
agressividade na forma, posicionando-se sempre como uma figura de oposição. A
charge vai além, o seu desafio é produzir uma “identidade por diferença”, pois
ela reproduz sujeitos reais através de personagens fictícios.
A riqueza da charge demonstra-se na sua
capacidade em registrar o cotidiano político da sociedade. Este é um dos seus
sentidos expressos. Adicionado a isto, a charge funciona como um “porta-voz da
sociedade”, permitindo a construção de um ponto de vista, ou seja, a
transformação do fato em uma posição acerca do mesmo, denotando a perspectiva
ativa de tal atividade.
Para Teixeira, não ter sentido seria o
sentido da charge. Neste ponto o autor – ao alçar o seu vôo-livre – patina ao
desviar sua analise de caráter mais objetivo, pois confere à charge o status de
desordem no plano da ordem. O autor peca na ausência de uma postura mais
crítica e factual, pois observa o deslumbramento com a
intitulada pós-modernidade – tão individualizante – e um não reconhecimento do
papel social/coletivo da charge, sendo a mesma,
muitas vezes, alvo da censura dos donos dos meios de comunicação. O autor ganha
créditos ao detectar a agressividade na forma da charge, mas exagera ao
enfatizar um “delírio” em seu mecanismo.
Críticas à parte, o
próximo trabalho de Luiz Guilherme Sodré Teixeira é esperado com
ansiedade, pois não só os pesquisadores como os próprios chargistas agradecem
tais manifestações de apreço à arte da charge.
* O autor da resenha é mestrando do Programa de Pós-Graduação de Ciência Política do IFCS/UFRJ e prepara dissertação de mestrado sobre “Charges do Jeca Tatu, identidade nacional e política brasileira”. Somado a isso, é cartunista profissional, onde assina com o pseudônimo de Nico.