MÍDIA E POLÍTICA: A METAMORFOSE
DO PODER
Pode-se
aceitar o argumento de que a propaganda/marketing, os mídias e as
estatísticas (as polêmicas pesquisas de
opinião) impõem-se na medida em que se retrai a cena tradicional da política.
Na cena brasileira, faltam
principalmente os partidos, pelo menos quando se pensa teoricamente[1].
Estes, desde o final dos anos 50, entraram em crise de representatividade,
acelerada pelo Movimento de 1964. A reabertura política reencontrou, com o nome
de partidos políticos, máquinas
burocráticas que giram na órbita de seus interesses, ou, então, pequenas
agremiações com palanques despolitizados, francamente televisivas. Esse fato
torna-se compreendido, no caso brasileiro, quando realizamos uma retrospectiva
de todo o movimento dos partidos políticos no Brasil que, demonstrando todas as
dificuldades políticas e institucionais da nossa acidentada trajetória
republicana: originalmente oligárquica (1889/1930), oscilou historicamente
entre a ditadura (1937/1945 e 1964/1985) e o populismo (1946/1964), até chegar
ao atual experimento democrático. Neste processo histórico foram experimentados
nada menos do que seis sistemas partidários distintos sem praticamente nenhuma
continuidade formal ou política entre eles, o que impediu não só a existência
de partidos fortes, como também inibiu a formação de uma cultura cívica aberta
e receptiva à ação dos partidos e favorável à constituição de identidades
partidárias estáveis e consistentes ao longo do tempo. Só para se ter uma idéia
da falta de tranquilidade e de continuidade do sistema republicano brasileiro,
do “período compreendido de 1930 a 1990, tivemos 1(um) golpe ou tentativa de
golpe a cada 3 (três) anos”.[2]
Assim podemos afirmar que há
um vácuo de representatividade e que num determinado momento foi preenchido
pelos mídias, tendo como conseqüência, segundo Muniz Sodré, que
“(...) nesses espaços mediados, trava-se uma novíssima
disputa eleitoral: em vez de plataformas marcantes, vantagens percentuais nas
pesquisas, em vez de posições ideológicas, rostos fotogênicos ou telegênicos,
em vez de representação, simulação”.[3]
De
modo geral, persiste a preocupação de que, no espaço público configurado pela
mídia, a política tende a perder o seu conteúdo próprio e os partidos
políticos, sua identidade como mediadores de interesses entre a sociedade e o
Estado. Como destaca Garcia Canclíni[4],
ao ocupar o lugar das mediações que seria próprio da política, os mídias
estabeleceriam uma nova diagramação dos espaços e intercâmbios urbanos. A
contaminação da política pela comunicação não se esgota no deslocamento de
poder ocasional pelo monopólio tendencial do ato de publicizar ou na criação de
temas/atores/cenários. A questão da adequação da política às regras e à
gramática da mídia, de imediato, coloca-se no centro da análise. Ao aceitar a
premissa de incorporação da comunicação como componente e momento da política
contemporânea, uma vez que a mídia monopoliza tendencialmente a enunciação
pública, pode-se considerar que a política para incorporar a comunicação
(midiática) deve resignar-se às regras e formatações derivadas da mídia, posto
que isso não só facilita sua realização, como até se torna inevitável.
Longe
de ser homogêneo quanto às avaliações e prescrições, o resultado das pesquisas
desenvolvidas convergem, porém, para um aspecto: a centralidade da mídia e sua
influência no cenário da política que passaram a caracterizar as novas
democracias latino-americanas a partir da década de oitenta.
A Midiatização da Política
Ao afirmarmos a centralidade da mídia, tanto no
Brasil como em outras democracias latino-americanas da década de oitenta, os
estudos corroboram o fenômeno cunhado por Sartori, de videopolítica[5],
definido pela introdução da cultura audiovisual nas relações sociais e,
particularmente, nas de poder. Do ponto de vista institucional, a
importância da videopolítica
dependeria diretamente de seu contrapeso, os partidos políticos: quanto
menor o grau de institucionalização partidária, maior o espaço aberto para a
expansão e penetração da videopolítica.
É possível concluir que, mesmo nas sociedades fortemente institucionalizadas, a
videopolítica, em grau mais ou menos
acentuado, é presença certa sem limite de fronteiras no cenário “espetacularizado” da
contemporaneidade ocidental (DEBORD, 1997). Landi (1990; 1992) aprofundou a
discussão sobre a vídeopolítica na
América Latina introduzindo o debate sobre a presença de diversos tipos e graus
de intervenção sobre a cultura política, que vão além de uma campanha eleitoral
e incluem jornais, entrevistas, debate, publicidade, horário gratuito político
eleitoral (HGPE) e os comentários. Critica ele as velhas e esquemáticas teorias
da manipulação informativa, para as quais todo o poder e o sentido da mensagem
estão contidos no projeto do emissor. A sua perspectiva adota, em suma, o
caminho inverso das análises maniqueístas, advertindo que a tendência colonizadora da tv na política encontra tensões e
contrapesos que compõem um quadro mais complexo do que aquele das profecias
apocalípticas (LANDI, 1990:46). Contra os males da “satanização” da mídia, afirma que a presença da televisão mantém-se nas transformações profundas da
cultura e em certas características do sistema político (LANDI, 1990:38) e
chama a atenção para a necessidade do estabelecimento de novas políticas
voltadas para a inovação na utilização da técnica como desafio aos
comunicadores:
“(...) está también en nuestras propias manos
subvertir y domesticar aparatos creados para la opresión, a fin de convertirlos en herramientas de
liberación... Aunque ya sea un lugar común, conviene recordar que estamos en un
cambio de época y no sólo en una época de cambios”(RONCAGLIOLO, 1998:31).
Em decorrência desses fatores, Landi entende que a
televisão garante sua presença devido às transformações profundas na cultura e
no sistema político. A videopolítica gera um espaço aberto, em que o
poder da TV se espraia sem contrapoderes visíveis, colocando em jogo as
estruturas e as formas de ação da política. Nos países da América Latina, atua de
maneira diferente daquela dos Estados Unidos e de forma peculiar em cada país.
Mas algumas alterações comuns podem ser notadas nas campanhas
eleitorais, como a introdução do marketing político e das pesquisas de
opinião, a diminuição da militância voluntária e a necessidade de volumoso
capital. A primazia do aparecer e a personalização da imagem possibilitam
trazer à cena políticos de fora dos tradicionais centros urbanos. Outra
conseqüência da videopolítica é o desenvolvimento de partidos de baixo
tono ideológico, de agregação pragmática de reivindicações e interesses. Aqui
se consideram os partidos políticos culturalmente despreparados para absorver
as mudanças trazidas com a introdução da mídia, particularmente da televisão na
política. Um analista das relações entre os novos espaços culturais e a
democracia, Roncagliolo, considera que
“las crisis de
representatividad y de los partidos, un tema tan en boga, no se reduce a las
llamadas crisis de los paradigmas, sino que se enmarcan en la modificación sustantiva
de los espacios culturales. La política de antes estaba tejida en mercados
físicos de bienes culturales (local partidario, cédula, plaza pública). Hoy se
ha ‘mediatizado’, y el ciudadano no necesita trasladarse al acto político para
semblantear al candidato. Quizás, la crisis de la politica y de los políticos
tenga que ver con sus limitaciones para actuar (y pensar) en estos nuevos
escenarios o espacios culturales de la política”(RONCAGLIOLO, 1998:54).
Seguindo nesta mesma trilha, Bernard Manin na obra
“As metamorfoses do governo representativo”, elabora uma arqueologia do
governo representativo, dividindo-o em três momentos: Parlamentarismo;
Democracia dos partidos e Democracia do público. Por meio da análise de
cada um destes momentos, contribuiu não somente para a discussão das
transformações sofridas pela forma da representação ao longo de sua
constituição, mas também com informações sobre o papel exercido pelos meios de
comunicação para o (re)desenho da representação.
No Parlamentarismo,
segundo o autor, a escolha do representante estava relacionada à confiança e
aos vínculos locais do candidato, sendo que os eleitos eram sempre os
“Notáveis”. O representante eleito votava na Assembléia conforme sua
consciência. Não existia uma relação direta entre a opinião pública e a
expressão eleitoral. As discussões entre os representantes estavam restritas ao
Parlamento. Este modelo se esgotou a partir da ampliação do corpo eleitoral e
de um vasto número de cidadãos que passaram a ter o direito do voto.
Por outro lado, a denominada Democracia dos
Partidos surgiu em decorrência do aumento do eleitorado, gerado pela
extensão do direito de voto, que impediu, assim, o povo de manter relações
pessoais com seus representantes. Os cidadãos passavam a votar não mais em quem
conheciam, mas em um candidato que carregasse as “cores” de um partido. Os
partidos políticos, juntamente com as suas burocracias e sua rede de
militantes, surgiram exatamente para mobilizarem esse eleitorado mais numeroso.
Este tipo de representação era o governo do ativista e líder partidário, ou do
“chefe político”.
Nessa
forma de governo, também há outra característica singular, o povo vota em um
partido e não em uma pessoa. O fenômeno da estabilidade do comportamento
eleitoral é uma prova disso.
“As pessoas não só se
inclinam a votar constantemente no mesmo partido, como também as preferências
partidárias são transferidas de uma geração para a outra: os filhos votam como
os pais, e os habitantes de uma localidade votam no mesmo partido durante
décadas.” (MANIN, 1995:34)
Por outro lado, essa estabilidade eleitoral deriva,
em grande medida, da determinação das preferências políticas por fatores
socioeconômicos. Neste tipo de governo as clivagens eleitorais refletem as
divisões de classe, até porque os setores sociais que se manifestam por meio
das eleições estão em conflito entre si, em conseqüência de uma
realidade social existente antes da política. Assim, a representação,
fundamentalmente, passa a ser uma conseqüência da estrutura social.
Outro
aspecto que também influencia a estabilidade do comportamento dos eleitores é o
fato de, nesse tipo de governo representativo, serem os partidos que organizam
tanto a disputa eleitoral quanto os modos de expressão da opinião pública
(manifestações de rua, petições, campanhas pelos jornais). Todas essas formas
de expressão são estruturadas ao longo das clivagens partidárias. Os vários
órgãos de imprensa mantêm laços com um dos partidos políticos, gerando assim,
uma imprensa politicamente orientada, o que faz com que as pessoas escolham a
sua fonte de informação de acordo com as suas inclinações partidárias. Como
conseqüência, os fatos ou assuntos são percebidos pela ótica do partido em que
votam.
Concluindo, o autor sugere que o que está em
declínio “são as relações de identificação entre representantes e
representados e a determinação da política pública por parte do eleitorado”
(MANIN, 1995:07). São estas modificações, no próprio campo político, que
geram uma nova metamorfose do modelo de governo representativo, constituindo um
novo “tipo-ideal”, elaborado por Manin, denominado de Democracia do Público.
Porém, nos últimos anos, a partir dos anos 70
principalmente, tem-se observado uma nítida modificação nas interpretações dos
resultados eleitorais. Antes as preferências políticas podiam ser explicadas
pelas características sociais, econômicas e culturais dos eleitores, neste
momento a do governo do público, os resultados eleitorais tendem a variar
significativamente de uma eleição para a outra, ainda que se mantenham
inalteradas as condições socioeconômicas e culturais dos eleitores. Nesta
etapa, diz ele, observa-se o declínio dos partidos e dos programas partidários,
pois se transferiu a posição de principal fórum de debates do partido e do
Parlamento para os meios de comunicação[6]
e, nesse processo, os candidatos passaram a cortejar o eleitor diretamente por
meio dos meios de comunicação de massa, dispensando a mediação da rede de
militantes do partido e estabelecendo uma nova relação entre políticos e eleitores
por meio do uso intensivo de técnicas de comunicação que enfatizam a
personalidade do candidato.
A
personalidade dos candidatos parece ser um dos fatores essenciais na explicação
dessas variações: a existência de um eleitor sem vínculos partidários e que
tende a votar de acordo com os problemas e questões postas em jogo em cada
eleição e não em programas político/partidários acabou gerando o que se
caracteriza como “volatilidade do voto”, ou seja, as pessoas tendem a votar de
modo diferente de uma eleição para outra, dependendo da personalidade dos
candidatos e dos temas importantes postos em debate. Cada vez mais os eleitores
tendem a votar em uma pessoa, e não em um partido, em decorrência da presença
dos mídias no campo político, o que tem aumentando, conseqüentemente, a
importância dos fatores pessoais no relacionamento entre o representante e o
seu eleitorado. Podemos notar esse aspecto no seguinte relato:
“(...) através de várias pesquisas que se vem
realizando nos Estados Unidos, ao contrário do que a maior parte das pessoas
pensa sobre os eleitores americanos, diferentemente dos anos 40 e 60, nota-se
claramente que a identificação partidária não apresenta hoje muita importância
como determinante do voto. O número de pessoas que se identifica com partidos
políticos atualmente é menor e mesmo essas são muito mais propensas a mudar de
lado em eleições presidenciais”.(GLASS,1987:525)
Nessas novas circunstâncias,
de eleitores volúveis orientados pelos assuntos, há maior necessidade de
informação acurada sobre a agenda programática dos representantes. A
dependência do noticiário de TV tem sido acusada de ter ajudado a erodir o
sistema eleitoral, pois os candidatos estariam sendo forçados às banalidades da
política da imagem, pelo aspecto de corrida
de cavalos (horse race) da campanha, realçado pelo
noticiário de televisão, ou seja, a mídia (em especial a TV) contaminou a
política impondo sua organização e dinâmica.
Outra característica da Democracia do Público é que
os canais (jornal, televisão, rádio e institutos de sondagem), onde se forma a
opinião pública[7], são
relativamente neutros, no sentido de não estarem diretamente ligados a
partidos políticos em competição, embora possam apresentar preferências
políticas. A neutralidade relativa dos mídias na democracia do público é um
contraponto para a falta de neutralidade na democracia dos partidos, em que os
meios de informação estavam atrelados aos partidos. Manin argumenta que
atualmente isto não acontece, pois as informações são veiculadas pelos diferentes
meios de forma homogênea, não existindo uma diferença gritante entre o que é
noticiado em um ou outro veículo[8].
O elemento novo aqui é que, embora os indivíduos formem opiniões divergentes
sobre os objetos políticos, estas opiniões são construídas sobre elementos
identicamente apresentados a todos e são percebidas de forma relativamente
homogênea. Isso permite que a identificação entre eleitor e candidato se forme
a partir de preferências sobre os objetos e não a partir de preferências
partidárias. Uma conseqüência desta relativa neutralidade na divulgação de
informações é a volatilidade do voto, a existência de um novo eleitor indeciso:
o sujeito informado, interessado pela política e relativamente instruído. Em
função da amplitude do número de eleitores e de temas, os representantes ou
candidatos têm que debater no público, constituindo, desse modo, um novo local
para a apresentação dos políticos e para o debate: os mídias. Assim, as
Assembléias deixam de ser o local por excelência da discussão do político e
passam a dividir este espaço com as mídias. Observe-se, no entanto, que, para
Manin, ao contrário de outros autores[9],
estes dados indicam uma alteração na prática política, que não significa,
porém, uma crise de representação, uma vez que:
“quando se reconhece a
existência de uma diferença fundamental entre governo representativo e
autogoverno do povo, o fenômeno atual deixa de ser visto como sinalizador de
uma crise de representação e passa a ser interpretado como um deslocamento e um
rearranjo da mesma combinação de elementos que sempre esteve presente desde o
final do século XVIII” (MANIN, 1995:33).
Em
suma, observa-se o deslocamento dos
partidos políticos como sujeitos da democracia. Apesar do registro da
fragilização dos partidos políticos, excepcionalmente, nesta abordagem
vislumbra-se uma perspectiva favorável a seu desempenho, sob a condição de que
estes consigam adaptar-se aos novos tempos.
“El partido de masas, que
según los prognósticos emitidos hasta la posguerra sería la forma dominante de organización
política en el mundo contemporáneo, está a punto de ser un recuerdo del pasado
más que un espejo del futuro”. (MOUCHON, 1999:107)
A
singularidade desta perspectiva é, portanto, a ênfase na necessidade de
aperfeiçoamento dos mecanismos políticos de mediação e agregação de interesses
nas sociedades complexas nas quais vivemos, em que pese a centralidade da mídia
e a fragilidade institucional dos partidos políticos tanto no Brasil como na
América Latina.
A influência dos mídias no campo político, especificamente
nas campanhas eleitorais, até porque estas são um dos objetos desta
Dissertação, tem sido item recente de estudos comparativos internacionais; as
campanhas eleitorais são descritas por parte da literatura mais informada ora
como uma processo de “americanização”, ora como um processo de “modernização”.
De
acordo com os autores Paolo Mancini & David Swanson, as campanhas
eleitorais são assuntos difíceis de se estudar e o que acontece com elas
reflete, oportunidades, tradição, personalidades, cultura política e outras
coisas. Além disso, nenhuma campanha é exatamente como outra, e, certamente,
nenhuma campanha eleitoral de uma Nação é exatamente igual a outras de outros
países, assim como os métodos e práticas usados nas campanhas eleitorais vêm
mudando constantemente. Porém,
“(...) o resultado desta
literatura recente é o que poderia parecer um fenômeno curioso: ao redor do
mundo, muitas das mudanças recentes nas campanhas eleitorais dividem temas em
comum apesar das grandes diferenças de cultura política, histórica e
instituições dos países nas quais elas ocorreram” (MANCINI & SWANSON, 1996:12).
Os autores acreditavam, desse modo, que as
práticas de campanha mereciam ser examinadas, em parte, como ponto inicial para
considerar as mudanças fundamentais que poderiam estar ocorrendo nas
democracias ao redor do mundo. Nesse sentido supunham que a adoção de métodos
de campanha americanizada poderia refletir em um amplo e não parcial processo
que estaria produzindo mudanças em muitas sociedades, mudanças que seriam
difíceis de se atribuir a uma simples causa e que iriam além da política e da
comunicação. Dessa forma,
“(...) estamos
interessados (diz os autores) na
Americanização, na exportação e na adaptação local das técnicas particulares de
campanha, na modernização, no mais amplo e fundamental processo de mudanças que
supomos conduzir para a adaptação destas técnicas nos diferentes contextos
nacionais” (MANCINI & SWANSON, 1996:16).
Desse modo, as inovações nas campanhas eleitorais
dos últimos anos, que parecem ser práticas que foram primeiramente
desenvolvidas nos Estados Unidos, resultam fundamentalmente, como já foi notado
por Manin[10], em outra
parte deste trabalho, da transformação da estrutura social e da forma das
democracias nos países onde as inovações têm sido adotadas. Estas
transformações fazem parte do processo de modernização. Então, quanto
mais avançado esteja o processo de modernização em um País, mais provável será
encontrarmos inovações nas campanhas eleitorais sendo adotadas e adaptadas. Por
tudo isso, faz-se necessário, neste momento, definirmos os conceitos de americanização
e de modernização, de acordo com Mancini & Swanson.
O conceito de “americanização” é usado para
referir-se descritivamente a elementos das campanhas eleitorais e a atividade
profissional conectada a elas. Isso foi primeiramente desenvolvido nos Estados
Unidos e agora está sendo aplicado e adaptado de várias formas em outros
países. Esse fato tem ocorrido por duas razões: primeiro, devido ao grande
interesse que as campanhas americanas recebem da cobertura jornalística de todo
o mundo; segundo, pelo grande número de especialistas de campanhas que visitam
os Estados Unidos para estudar e conhecer o processo eleitoral. Além disso, a
publicação de livros e manuais sobre o assunto tem ajudado a espalhar os
métodos das campanhas americanas para outros países; como também, essa
profissionalização é apoiada pelo freqüente envolvimento de consultores
políticos americanos em campanhas de outros países. Em decorrência, a disseminação
destes elementos tem naturalmente sido descrita como campanha política americanizada
em outros Países.
Já o conceito de “modernização” diz respeito
a um contexto de mudanças mais amplas e induzidas por variáveis que vão muito
além da esfera política ou da esfera da comunicação e que dizem respeito à
transformação estrutural da sociedade e das formas da democracia. Deste modo,
colocando os dois conceitos defronte, a americanização das campanhas
eleitorais deve ser entendida restritivamente como um conjunto de indicadores
específicos de um processo mais geral de modernização da sociedade, cuja
difusão vem sendo notavelmente acelerada pelo fenômeno da globalização dos
mídias que, malgrado as diferenças nacionais de cultura política, vêm
crescentemente unificando e estabelecendo agendas e comportamentos políticos,
econômicos e culturais em escala mundial.
Entre as principais características apontadas por
aqueles dois autores no processo de modernização das campanhas eleitorais e a
sua americanização estão a:
1) personalização da política:
expressa pelo predomínio da relação entre os eleitores e os candidatos
individuais em detrimento aos laços tradicionais de confiança e de ideologia
entre os partidos que, desta forma, perdem substância enquanto agregação
simbólica e estrutura organizada.
“Los paradestinatarios empezaron a aumentar en las
mediciones de las campañas subsiguientes y el índice de indecisos comprobó el
fin de una era de lealtades y compromisos partidarios con el consiguiente
nascimiento de un pragmatismo individualista. Del mismo modo, la incorporación
de las herramientas de la ingeniería política: encuestas de intención de voto,
a boca de urna, tendencias de imagem positiva, porcentajens de crerdibilidad,
personalización y dramatización de las campañas, complejizaron los sistemas de
comunicación de los políticos con sus potenciales electores”.(MURARO,
1997:23).
Os candidatos, nesse caso, parecem competir por
eles mesmos ao mesmo tempo em que sua imagem pessoal, construída pela mass
media, toma o lugar das ligações simbólicas que antes eram asseguradas
pelos partidos políticos, ou seja, não existindo mais uma identificação do
candidato com o partido;
2) cientifização da política: o
conceito elaborado por Habermas (HABERMAS, 1984), é usado neste contexto para
exprimir a crescente preponderância nas campanhas modernas do time da
campanha formado por especialistas e técnicos que cada vez mais
controlam não só a produção de informações, como também sua interpretação com
vistas à tomada de decisões críticas no desenvolvimento da campanha.
“A expansão da função dos técnicos
(experts) nas campanhas reflete, por um lado, os métodos sofisticados e as
habilidades que são dadas como necessárias para a condução de uma campanha na
política contemporânea dentro do ambiente da mídia (incluindo as habilidades
associadas com as pesquisas de opinião pública e outros métodos para monitorar
os desejos e as vontades dos eleitores, criando fortes propagandas de
televisão, cobertura favorável, positiva e freqüente da mídia para o candidato
e obtenção de fundos financeiros) e, por outro lado, o grande enfraquecimento
do papel dos partidos, que não são mais capazes, por exemplo, de suprir as
necessidades de fundos e de pessoal competente”.(WATTENBERG, 1984:131)
Assim, os publicitários, marqueteiros,
pesquisadores, cientistas políticos, relações públicas e jornalistas ganham
crescente relevo no interior da campanha e tomam decisões que antes eram
processadas dentro do aparato dos partidos pelas lideranças políticas e executadas
por entusiastas e militantes. Dessa forma, o objetivo da “cientifização” é
simplesmente a vitória eleitoral, e não encontrar alternativas úteis à política
pública. Este objetivo parece resultar do inevitável enfraquecimento das
organizações partidárias e das mudanças que podemos notar nos sistemas
políticos;
3) estrutura autônoma da comunicação:
um dos traços mais salientes da modernização é o desenvolvimento de uma
poderosa e autônoma comunicação de massa, cuja influência penetra em todas as
dimensões da vida social, política, econômica e cultural.
No caso brasileiro, a concentração oligopolista da
Rede Globo tem sido enfatizada com especial destaque pela sua influência na
política no período da transição democrática, firmando uma tradição de estudos
de mídia e política que passou a conferir centralidade à presença dos mídias,
especialmente da televisão no cenário político da representação contemporânea.
“De
fevereiro de 84, quando se deflagrou a campanha das ‘Diretas já’, a
abril de 85, morte de Tancredo, são 14 meses de imensa efervescência política,
durante os quais os meios de comunicação — em especial a TV Globo, protagonista
principal — desempenharam papel inédito em sua história e se destacaram por sua
capacidade de intervir no quotidiano extraordinariamente rico de uma crise de
transição. Aparato criado pelo regime autoritário, e com ele complemente identificado, a TV Globo
exerce o inesperado papel de protagonista das oposições, com isso ampliando um
arco de alianças inesperadas. Na medida em que legitimava o regime emergente,
legitimava-se também junto à opinião pública. Uma nova TV Globo surgia com uma
Nova República.” (GUIMARÃES,
1998:28).
A
mídia, em conseqüência, tende a assumir funções políticas antes exclusivas de
organizações partidárias ou de órgãos de imprensa controlados por partidos ou
governos, tais como a socialização política e a divulgação de informação para o
público sobre política e ação governamental. A autonomia da comunicação de
massa torna os políticos mais dependentes da mídia e provoca, em conseqüência,
a profissionalização da comunicação política dos partidos e líderes políticos,
bem como do próprio governo na tentativa de manipular a mídia independente;
4) distanciamento dos partidos em relação aos
cidadãos: nas sociedades contemporâneas a fragmentação social e a
diferenciação dos interesses políticos impedem ou dificultam a relação direta
entre líderes e partidos políticos e os seus eleitores, assim como a apreensão
de suas preocupações e demandas correntes por meio do contato pessoal. Entre os
efeitos deletérios desta nova situação encontra-se o progressivo declínio da
rede de militantes e ativistas e a perda do sistema de comunicação interpessoal
que articulava os eleitores às organizações partidárias.
“A pasteurização que nivela a política pela descaracterização do
discurso, tem sido apontada como um dos resultados reveladores da submersão das
identidades partidárias no universo unificador da mídia, no qual é próprio que
políticos não se destaquem por sua experiência, pelo programa de seu partido
nem mesmo por sua capacidade de liderança no processo político, mas, pela
simpatia que seus marketeiros conseguem suscitar nos grandes auditórios”.(TREJO, 1995:117).
Por outro lado, com a ascendência crescente dos
especialistas de campanha os partidos programáticos foram compelidos a
abandonar suas bases ideológicas pelas bases de opinião que,
obviamente, são aferidas através de sondagens e pesquisas sob a
responsabilidade de empresas especializadas. O resultado final destas mudanças
é o crescente distanciamento dos partidos da vida cotidiana e dos seus
eleitores;
5) transformação do cidadão em espectador:
finalmente, com a centralidade da televisão nas campanhas políticas modernas –
seja em países onde o acesso a TV é paga pelos partidos (como nos Estados
Unidos) ou onde é regulado, gratuito e igualitário ou proporcional à força do
partido na Câmara (Brasil, França e Inglaterra) – o evento político deslocou-se
das ruas e praças públicas para a sala dos eleitores. Podemos ter um exemplo
deste fato neste relato sobre o caso da Argentina.
Sin embargo, el balcón, que tuvo preponderancia a lo
largo de toda la historia en la comunicación de los gobernantes con las masas
en la Argentina,
sería, dentro del gobierno del mismo Alfonsín, dejado de lado por la
utilización de los medios electrónicos. Por otra parte, la ciudadania, hizo
abandono de la Plaza de Mayo como espacio de legitimación del poder y de lugar
de las representaciones que vinculaban al dirigente de turno, através del uso
de una enunciación pedagógica, con una masa todavía inmadura que esperaba de él
todas las respuestas”.(GONZÁLEZ REQUENA, 1989:17)
Nada, portanto, é mais
revelador do fato de a mídia não ser apenas um poder auxiliar, conforme
pensa quem a chama de quarto poder. Pelo contrário, a mídia não só
fornece os temas sobre os quais os públicos/eleitores devem pensar,
colocando-os em categorias semantizadoras determinadas; como também, não age
apenas como mediadora entre os poderes, mas como um dispositivo de produção do
próprio poder de nomeação e, no limite, também de funcionamento da própria
esfera política. Assim, parece estar havendo um consenso de que a antiga
fórmula da centralidade política das comunicações foi substituída por uma
proposta de centralização das comunicações na atividade política. Dessa forma,
tanto no nível do intercâmbio político como no do simbólico, o funcionamento do
sistema político nas democracias da sociedade moderna está sendo cada vez mais
determinado pela mídia.
*
Mestre em Sociologia
Política pela Universidade Federal de São Carlos-UFSCar, Pesquisador
NEMP-UFSCar - Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política. E-mail:
davys.negreiros@bol.com.br
[1] O Partido Político, ao
nosso ver, é uma organização de pessoas que, inspiradas por idéias ou movidas
por interesses, buscam tomar o poder, normalmente pelo emprego de meios legais,
e nele conservar-se para a realização dos fins propugnados, notar em relação a
esse tema a obra clássica de DUVERGER, Maurice. “Os Partidos Políticos”,
2º edição, Brasília, Zahar Editores/EdUNB, 1980; SARTORI, Giovanni. “Partidos
e Sistemas Partidários”,
RJ/Brasília, Zahar Editores/EdUNB, 1982.
[2] Frase proferida pelo
Prof. Dr. FRANCISCO DE OLIVEIRA/USP, no “Projeto Fórum de Debates – Periferia, Subdesenvolvimento e Radicalização
Anti-Democrática”, 02/09/1998 – Teatro Florestan
Fernandes - UFSCar, São Carlos-SP.
[3] Citação coletada do Jornal do Brasil/Idéias, 03/01/1987.
[4] CANCLÍNI, Garcia N. “Del espacio público a teleparticipación”. In Culturas híbridas. Mexico, Grijalbo, 1990; e “Consumidores e cidadãos”. RJ, UFRJ, 1995.
[5] Notar o trabalho clássico de SARTORI, Giovanni.
Videopolítica in Rivista Italiana de
Scienza Política, vol. XIX, nº 2, 1989.
[6] Um outro autor que também defende a linha
propagada por Manin é Patrick Champagne “O aparecimento, o desenvolvimento
e, sobretudo, a difusão dos novos meios modernos de comunicação (...)
implicaram um deslocamento progressivo do centro de gravidade do espaço
político que passou das assembléias parlamentares para a mídia.”
[7] Quando Manin se refere
à opinião pública está falando de manifestações, petições e da nova forma de
expressão que é a sondagem de opinião.
[8] Esta discussão remete ao que Bourdieu denomina de uniformidade
da oferta. Segundo o autor, a concorrência e a lógica de mercado, que são
características expressivas do campo jornalístico, levam à homogeneidade do
campo, pois trabalham com as mesmas fontes, as mesmas restrições, as mesmas
pesquisas de opinião, os mesmos anunciantes.
[9] Entre vários podemos citar: NOVARO, Marcos. “O
debate contemporâneo sobre a representação política”. Novos Estudos Cebrap 42, julho 1995: 77-97; COSTA, S. “Do simulacro
e do discurso: esfera pública, meios de comunicação de massa e sociedade
civil”. Comunicação&política nova série IV, nº 2,
maio-agosto 1997: 117-36; DEBORD, G. “A
sociedade do espetáculo”. RJ, Contraponto, 1997.
[10] Nesse sentido, Manin
também descreveu as transformações da sociedade (modernização), porém
fazendo a relação com as mudanças no contexto da representação de governo,
enquanto os autores Mancini & Swanson relacionaram com a questão das
campanhas eleitorais.
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Palavras-chave: mídia e política; Modernização das
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