NOVAS FORMAS DE VER O POLÍTICO: O PARADIGMA SUBJETIVO
Maquiavel 
    representa um marco na elaboração da moderna concepção de política.  
    Enquanto a política antiga e a medieval procuravam descrever o bom governo, 
    ditando as regras do governante ideal, Maquiavel verifica como os governantes 
    realmente agem. Por isto, sua obra mais conhecida, “O Príncipe” (1513) reflete 
    as condições políticas da época em que foi escrito. 
Na 
    obra de Maquiavel destacam-se como pontos importantes a reforma política, 
    o livre exame dos fatos históricos, o ataque às tradições medievais e principalmente 
    a instituição do êxito como única medida do poder do príncipe, em suma, a 
    ruptura do poder temporal com o poder espiritual. Segundo ele, o príncipe 
    deverá ser capaz de compreender o jogo político efetivo nas suas circunstâncias 
    concretas e de identificar as forças do conflito a fim de agir com eficácia.  
    Para essa atuação não ser vã, é necessário admitir que os valores morais que 
    regulam as condutas individuais não se aplicam na ação política (Maquiavel, 
    1999).  A recusa do prevalecimento dos valores morais na ação política 
    indica um novo conceito de ordem, impensável na filosofia política medieval.  
    Para Maquiavel a política requer a lógica da força e é impossível governar 
    sem fazer uso da violência.
Resumindo 
    podemos dizer que Maquiavel é o responsável pela autonomia do campo da ciência 
    política, que  se desliga das preocupações filosóficas e da política 
    normativa dos gregos, desvinculando-se também da moral cristã.
 
Maquiavel 
    vai nortear toda a ciência política subseqüente, mas nossa época caracteriza-se 
    justamente pelo desencontro entre a realidade e suas explicações, vivemos 
    em uma época de quebra de paradigmas, em que mais do que nunca torna-se atual 
    a frase de Marx: “Tudo que é sólido desmancha no ar”[i] , não por acaso utilizada por Marshal Berman em 
    seu livro sobre a crise dos paradigmas nas ciências sociais.
Slavoj 
    Zizek em um texto sobre as repúblicas do leste europeu, sugere novos caminhos 
    para pensar o político, que não passam mais pelo modelo paradigmático de Maquiavel.   
    À idéia de Estado-Nação ele contrapõe a de Nação-Coisa, e enquanto Maquiavel 
    buscava a impessoalidade da política, Zizek sugere uma política mais pessoal, 
    ligada a uma idéia de nação como “coisa nossa”, como “nosso modo de vida”.
Buscando na psicanálise 
    as explicações que não encontra nos marcos clássicos da Ciência Política, 
    Zizek vai trabalhar com as noções de antagonismo e divertimento, aliadas aos 
    conceitos do real e do simbólico ideológico.
Não por acaso muitas análises 
    sobre a Segunda Guerra do Golfo são calcadas na psicanálise, sugerindo que 
    a obsessão de George W. Bush estaria ligada ao desejo de superar o pai (que 
    não conseguiu depor Saddam Hussein) e assim simbolicamente matá-lo.
  
        Segundo 
    Balandier o termo “político” comporta várias acepções.  Os termos policy 
    e politics, significariam, respectivamente, os tipos de ação que 
    concorrem para a direção dos negócios públicos e as estratégias que resultam 
    da competição dos indivíduos e dos grupos. (Balandier, 1967).
         Atualmente 
    a política, no sentido de policy, pode tornar-se interna e pessoal. Do 
    Estado-Nação, com inimigos externos, retratados no paradigma clássicos da 
    filosofia política, passamos à Nação-Coisa de Zizek, onde os inimigos estão 
    próximos, dentro de nosso próprio país.  Exemplos trágicos desta mudança 
    são os ataques suicidas palestinos e o atentado às torres gêmeas no 11 de 
    setembro. O inimigo não está mais fora, mas dentro do país, pode ser qualquer 
    um e atacar a qualquer momento.
         
    Obviamente esta maneira de ver as coisas dificultou muito a imigração e integração 
    de imigrantes e aumentou bastante a desconfiança quanto ao outro, ao 
    diferente, aquele que não é como eu.  Atualizam-se aqui os marcos 
    clássicos dos estudos de Simmel onde ele atenta para a similaridade entre 
    o Estranho e o Estrangeiro. (Simmel, 1983).
Unindo-se 
    essas acepções do termo política, à idéia de Slavoj Zizek de Nação enquanto 
    coisa e do roubo do gozo, (?) podemos tentar compreender a obsessão norte-americana 
    por segurança e sua relação com os mecanismos de controle.  Analisando 
    a atual política migratória dos EUA podemos traçar paralelos  bastante 
    claros com a idéia de Coisa nacional como “um absoluto particular que resiste 
    à universalização”. (Zizek, 1999: 439).   Esta análise é capaz 
    de explicar porque nestes tempos de globalização e integração econômica renasçam 
    os regionalismos e a xenofobia. Citando textualmente Zizek: “Portanto, 
    já que o excesso foi trazido de fora – um estrangeiro intruso -o sonho é que 
    sua eliminação permita recuperarmos a estabilidade social que forma um corpo 
    corporativo harmônico (...)”. (Zizek, 1999: 444).
         Acrescente-se 
    a esta idéia de inimigo interno, a segunda acepção  que Balandier dá 
    para o termo “político”. O termo politics, com o significado de 
    estratégias que resultam da competição dos indivíduos e dos grupos, ou seja, 
    da competição para que sejam implementadas, as idéias de determinado indivíduo 
    ou grupo e não de outro. Esta é uma outra vertente da política atual, uma 
    atuação voltada para o interno, para os interesses paroquiais, para as disputas 
    entre caçadores e ecologistas, entre grupos pró e contra o aborto, entre os 
    que querem a construção de uma nova refinaria de petróleo no Rio de Janeiro 
    e aqueles que  defendem que ela seja construída no Nordeste.  
É 
    novamente uma personalização da política, uma transferência do nacional para 
    o pessoal, mais que a transformação do Estado-Nação em uma Nação-Coisa, a 
    transformação em um Estado-Pessoal, com um individualismo exacerbado onde 
    a política passa não pelos partidos, mas por grupos de interesse.
A objetividade e a racionalidade 
    perseguidas por Maquiavel ao propor novas formas de pensar a política foram 
    substituídas, no nosso século, por uma busca da subjetividade na política.  
    Não nos é possível compreender o mundo atual, apenas racionalmente, é necessário 
    levar em conta o imaginário, os arquétipos, os anseios e as aspirações de 
    cada povo.
Quando se trabalha com 
    os conceitos de nação e etnia estes conceitos tornam-se mais e mais relevantes. 
    O conceito de Estado-Nação, de certa forma obscureceu a importância e a relevância 
    das etnias na formação da nacionalidade, e as explicações marxistas baseadas 
    fundamentalmente  na economia, acabaram afastando outros tipos de análise 
    que contemplavam outros aspectos da vida social.
Só 
    através de estudos que contemplem questões como formação de identidades e 
    relações com o outro é que poderemos melhor compreender fenômenos como a desintegração 
    do Leste Europeu, a guerra da Bósnia e o conflito entre Sérvios e Kosovares.  
    Só este tipo de estudo pode explicar as dificuldades encontradas pelos Estados 
    Unidos na segunda guerra do Golfo. Afinal, enquanto os americanos  viam-se 
    como libertadores, os iraquianos, mesmo aqueles que estavam em desacordo com 
    Saddam Hussein, viam os americanos como os outros, diferentes, estrangeiros 
    e intrusos em uma casa e uma causa que não eram deles.
Um 
    dos grandes desafios da ciência política atual é reconhecer que o econômico 
    não pode explicar tudo, precisamos de novos modelos, novos métodos, novos 
    paradigmas, novos marcos teóricos para poder dar conta destas questões.  
    Estes marcos teóricos podem e devem ser buscados dentro e fora da política.
No 
    entanto não devemos perder de vista que no fim das contas  estamos de 
    volta por outros meios ao paradigma clássico da Teoria Política, afinal trata-se 
    de uma luta pelo poder e pela legitimidade do uso da força nos termos de Weber, 
    e também da idéia preconizada por Maquiavel de que para o espaço político 
    não valem os mesmos valores morais que regulam a vida do cidadão.
Falar 
    de poder implica falar da definição de Weber: “Poder significa toda oportunidade 
    de impor sua própria vontade, no interior de uma relação social, até mesmo 
    contra resistências, pouco importando em que repouse tal oportunidade”. 
    (Weber, 1971:219).
         
    De onde se deduz que, Max Weber entende por poder as oportunidades que um 
    homem, ou um grupo de homens, têm de realizar sua vontade, mesmo contra a 
    resistência de outros homens que participam da vida em sociedade.  Ter 
    poder, portanto, é conseguir impor sua vontade sobre a vontade de outras pessoas.
         O 
    conceito de poder está intimamente ligado à questão da dominação.  Quando 
    se trata de poder, fala-se obrigatoriamente de Dominantes e Dominados.  
    Daqueles que exercem o poder e daqueles sobre quem o poder é exercido.
         Mais 
    uma vez podemos citar o exemplo da segunda guerra do Golfo, onde George W. 
    Bush, contra tudo e contra todos (incluindo-se aí a ONU e quase toda a opinião 
    pública mundial), utilizou a força para fazer valer as suas vontades e convicções.
É importante ressaltar 
    que ele não é o único, em boa parte dos países árabes o poder é exercido de 
    maneira personalíssima, em Cuba poder e Fidel Castro são sinônimos e  
    também no Brasil a idéia de que governar e exercer o poder é a capacidade 
    de impor a sua vontade é generalizada.   Nossos governantes costumam 
    exercer o poder como uma extensão de suas vontades pessoais passando por cima 
    de tudo e de todos.  Obviamente esta posição é sempre justificada através 
    de discursos onde se afirma a idéia de que o governo está trabalhando pelo 
    progresso, pelo desenvolvimento, alegando sempre que as críticas e reclamações 
    são injustificadas porque partem daqueles que viram seus interesses prejudicados 
    ou que perderam as eleições.  
Cristóvam Buarque, ministro 
    da educação, professor da UNB e ex-governador de Brasília, afirma que a lógica 
    da modernidade técnica subordina os objetivos sociais e ambientais à racionalidade 
    econômica, ela mesma subordinada à técnica, e que neste contexto os valores 
    éticos são ignorados. (BUARQUE, 1994) Ou seja, voltamos a Maquiavel e à idéia 
    de que a política não pode subordinar-se à moral.
         E 
    enfim podemos dizer que apesar da mudança de enfoque, da passagem do inimigo 
    externo para o interno, do Estado-Nação para a Nação-Coisa, das Macropolíticas 
    para as Micropolíticas, continuam intactos pontos fundamentais da teoria política 
    clássica como a amoralidade do jogo político e a proximidade entre vontade 
    individual e poder.  
O 
    que significa não uma substituição do paradigma de Maquiavel nem a sua aplicação 
    de maneira integral, mas sua incorporação a novos paradigmas, se de um 
    lado é importante levar em conta as subjetividades envolvidas não há como 
    deixar de pensar que a velha máxima de Maquiavel que afirma que o poder do 
    príncipe é medido pela eficácia de suas ações continua valendo, e que ganhar 
    a guerra ainda é uma estratégia eficaz para calar as críticas.
 
Referências 
    bibliográficas
 
BALANDIER, Georges. Antropology Politique. 
    Paris: PUF, 1967. 
BUARQUE, Cristóvam. A revolução nas prioridades: 
    da modernidade técnica à modernidade ética. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 
    1994.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 3ª 
    ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.
SIMMEL, Georg. “O Estrangeiro” In: Morais 
    Filho, Evaristo.(org.) Georg Simmel. São Paulo: Ática, 1983. 
WEBER, Max, Ensaios de Sociologia.2ª ed. Rio 
    de Janeiro: Zahar,1971.
ZIZEK, 
    Slavoj. As Repúblicas do Leste Europeu, Rio de Janeiro: Contraponto, 
    1999.
 
Nota
[i] A frase consta do Manifesto 
    Comunista.
 
RESUMO:  O objetivo deste artigo é comparar as 
    teorias políticas clássicas com as atuais que incorporam conceitos vindos 
    da psicanálise, bem como analisar em que medida a subjetividade pode ajudar 
    na compreensão política.
    PALAVRAS CHAVE:  Secularização da política - Subjetividade da Política 
    - Policy e politics
    * Miriam de Oliveira Santos - Mestre em Ciência Política – UFRGS, Doutoranda 
    em Antropologia Social – Museu Nacional/UFRJ, Pesquisadora Associada do NIEM-RJ.