Resenha do livro As Transformações do PT e os rumos da esquerda no Brasil – entrevistas com: Babá, César Benjamim, Luciana Genro, Marcelo Badaró Mattos; Valério Arcary, Virgínia Fontes e Zé Maria. Coordenador da publicação: Felipe Demier. Bom Texto, 2003.

E-mail: bomtexto@bomtextoeditora.com.br                                                                                                                                           

Aluizio Alves Filho*

 

O noticiário dos jornais e revistas que em conjunto constituem a “imprensa sadia” (expressão há muitos anos expurgada da mídia e que é oportuno recolocar no universo semântico do campo intelectual) não deu lá muita atenção à publicação do livro que ora resenhamos. Não se trata de um esquecimento, de um desleixo e muito menos de uma mera desatenção. É bem sabido que, para manter a aparência de “neutralidade” e o “faz de conta” do “compromisso com a verdade”, e assim conquistar público, a sadia é obrigada a salpicar uma minoria de profissionais sérios e responsáveis no meio de uma plêiade de vaquinhas de presépio que têm que reproduzir a cartilha patronal para não ouvir o tradicional “ponha-se no olho da rua” e amargurar as agruras de ser mais um desempregado. É essa plêiade, essa maioria de amedrontados que (coitados) é obrigada, em nome – pasmem – de uma pretensa liberdade de imprensa, a fazer vista grossa ou olho murcho em relação à importância da publicação em tela, silenciando a respeito.

Já que tocamos na delicada questão do expurgo, no caso da expressão composta “imprensa sadia”, vale observar que o livro As transformações do PT e os rumos da esquerda no Brasil veio a lume poucos dias antes de o citado partido fazer um expurgo bem mais concreto que o de meras palavras; ou seja, o de expulsar, em novembro de 2003, do seu quadro, quatro parlamentares: a senadora Heloisa Helena e os deputados federais João Batista Oliveira de Araújo (Babá), Luciana Genro e João Fontes.

Vale observar que expurgo é sempre um ato de violência, uma vez que implica na utilização da força para separar e decepar um pedaço de algum todo visando mantê-lo orgânico. O expurgo de palavras é uma violência simbólica que, como denunciou George Orwell nas páginas do seu célebre romance-pesadelo 1984, ali é praticada por cretinos dirigentes, visando a fabricação de uma “nova língua”, onde as palavras que, se utilizadas pudessem trazer embaraços para os seus diabolismos, eram proibidas e arremessadas no limbo do esquecimento. No segundo caso aqui considerado, no caso concreto da extirpação, do PT, de quatro parlamentares cujo “crime” é defender, com evidente seriedade, sinceridade e paixão, bandeiras desfraldadas pelo próprio PT ao longo de mais de duas décadas de existência e enquanto não foi governo, a questão do expurgo é ainda mais patética e aterradora do que na ficção do genial romancista inglês.

Coordenado e apresentado pelo historiador Felipe Demier, o livro As transformações do PT e os rumos da esquerda no Brasil está ordenado em sete capítulos cada um, contendo perguntas e respostas de entrevistados sobre um determinado bloco de questões, apresentadas na seguinte ordem: a chegada do PT ao poder, política econômica, política social, política internacional, reforma agrária e movimentos sociais, PT, socialismo e democracia, democracia partidária e perspectivas do socialismo hoje.

Como um todo, o texto não apenas traz novas luzes sobre a história do PT - na medida em que vai fixando a trajetória do partido que, paulatinamente, com base em seguidos golpes internos, foi substituindo o projeto social (sob cuja égide nasceu) pelo simples projeto de poder (como chegar e manter) – assim como puxa um mundo de questões, colocando à flor da pele um conjunto de candentes problemas nos quais se debate, presentemente, a sociedade brasileira.

Rico, complexo, ora sofrido, ora contraditório, mas sempre fecundo, As transformações do PT e os rumos da esquerda no Brasil, em momento oportuno lançado pela editora Bom Texto, é livro de leitura obrigatória por parte de todos aqueles que procuram se posicionar como cidadãos a partir do recebimento de informações de qualidade que os ajude a pensar com clareza e independência.

 

* Professor do Departamento de Ciência Política do IFCS/UFRJ.

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