A
PROFECIA DO ESGOTAMENTO DO PETRÓLEO E AS POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES POLÍTICAS DA ABUNDÂNCIA DO PRODUTO
Carlos Camilo Mércio Martins*
1. O
problema
Com
144 anos de existência a indústria do petróleo movimenta centenas de milhões de
dólares anualmente, sendo incontáveis os produtos que dependem da sua presença.
Tal fato faz do petróleo uma
indústria que, tendo múltiplas implicações, tem que ser constantemente pensada
e repensada.
No
início da década de setenta um grupo de
especialistas do chamado Clube de Roma (1),
preocupado com o esgotamento de reservas naturais e, em conseqüência, com as possibilidades de vida na terra,
previu que restavam cerca de 550
bilhões de barris de petróleo no mundo e que estes se esgotariam por volta de
1990. E essa “profecia”, e as implicações dela decorrentes que, no presente
texto, estão no centro das reflexões.
Hoje
sabemos, através dos dados disponíveis, que o
mundo consumiu, no período acima considerado (1970 – 1990), cerca de 600
bilhões de barris e que ainda existem mais
de três trilhões de barris em reservas conhecidas. Concretamente, a Agencia Internacional de Energia, afirma
que há uma reserva de 2.3 trilhões de barris exploráveis, sem considerar as
fontes não convencionais, podendo os números totais de barris, considerando-as,
atingir a cifras superiores a quatro trilhões de barris.
As
previsões por parte do mesmo núcleo de estudiosos, do Clube de Roma, que fizera
as estimativas em 1970 era que o custo
do barril de petróleo poderia chegar a 100 U$ dólares por unidade em 2000. Tais previsões também não se confirmaram. Eram bastante pessimistas, valendo observar que
no ano passado (2003) o preço do barril variou, na média, entre 30 e 35 U$.
Em
suma, nem as reservas se esgotaram, ou estão prestes a se esgotar, nem os
preços do produto dispararam, em função da suposta ameaça de escassez. Com dados de prospectivas recentes pode-se trabalhar com a hipótese
inversa a dos anos setenta, ou seja que o problema do
mundo – no que tange a petróleo - não é de carência, mas de abundância. Isto é plausível, apesar do fato da
engenharia de controle de produção da Arábia Saudita através da organização
exportadora de petróleo, a Organization of Petroleum Countries (OPEC), haver difundido a possibilidade de uma
redução de até 8% no custo do barril em determinado momento.
Especialistas
do mercado de petróleo lidam com a probabilidade de que a relação entre os diversos
produtores de petróleo possa se dissipar rapidamente, particularmente diante
das pressões para diminuir o controle sobre a disponibilidade de cerca de 5
bilhões de barris por dia, atualmente sob controle e sendo contidas no momento
para estabelecer critérios políticos.
Enquanto
a OPEPE estabelece seus controles, grandes e pequenos produtores no mundo
procuram desestabilizá-los. Além disso, há o surgimento de novos campos que freqüentemente
são descobertos, há o aumento de capacidade de produção das fábricas atuais
pelo aumento da produtividade e racionalização de custos. Dessa forma, cada vez
mais os preços vão se tornando difíceis de conter.
O
potencial latente no Iraque, Rússia, África e outros produtores combinados com
expansões mais modestas da Ásia, vão se transformando em fatores de influência
determinante no jogo político do petróleo. No entanto, as referidas alusões a
previsões catastróficas sobre a diminuição da capacidade de produção mundial de
petróleo obscurece dois outros problemas significativos.
O
primeiro é que uma possível redução dos preços do petróleo poderá trazer
conseqüências imprevisíveis no delicado equilíbrio político e estratégico deste
fundamental elemento do jogo geopolítico.
O
segundo diz respeito a uma questão freqüentemente referida, mas sempre deixada
em posição de segundo plano, ou seja, a questão do controle ambiental. Problema
configurado no risco que representa para o meio ambiente a mudança climática
causada pela queima dos combustíveis fósseis, ou de uma cada vez maior poluição de nosso mundo.
2. A
possível abundância do produto
Necessário
ainda acrescentar que a “profecia de esgotamento do petróleo” obscurece a
questão inversa, a da possível abundancia do produto. Tal abundância poderá levar a uma eventual
queda dos preços, por excesso de oferta, produzindo efeitos indesejáveis com sérias implicações políticas e
estratégicas.
As conseqüências
sociais de uma possível abundância do petróleo não devem, de forma alguma, ser
subestimadas. Por exemplo, estarão os
estados árabes do golfo pérsico que não são produtores da OPEC, e sim
simples consumidores, preparados para uma nova geopolítica de
energia? Aparentemente não.
Observamos
ainda que regimes políticos do golfo pérsico, da Rússia e das demais repúblicas formadas a partir da desintegração
da antiga União Soviética e também
alguns paises latino-americanos, como Venezuela, o México e a Colômbia, valem-se de suas reservas petrolíferas e dos recursos
econômicos com elas obtidos, para tentar equilibrar suas delicadas tensões
sociais. A possibilidade de uma baixa no preço nas próximas décadas pode
representar um futuro de instabilidade política ainda maior do que a existente
nessas regiões. A costa meridional da Eurásia, e dos Bálcãs ao Cáucaso e a Ásia
Central além do citado golfo pérsico parecem ser particularmente sensíveis a
tais conseqüências. Regimes petrolíferos como o Kuwait e o Irã dão sinais que
estão se preparando para as reformas sociais e econômicas de suas instituições
políticas. Porém, outros, como os recentemente independentes Estados do Kasakistão, Azerbaijão, Turkistão,
“parecem acreditar” que os lucros provenientes do petróleo, por si só,
miraculosamente garantirão estabilidade política. Tal entendimento talvez não
esteja permitindo que tomem providências para eventuais mudanças no precário
equilíbrio dos preços atuais.
3.
Algumas Conclusões
Fica
bastante evidente que uma tendência persistente a preços baixos pode se
transformar em um quebra-cabeça para o equilíbrio internacional. Não são apenas
os EUA que estão enfrentando este problema com notória dificuldade, a questão
ganha cada vez mais dimensões de universalização. As especificidades atuais
devem exacerbar os problemas, pois a estrutura de preços e a possível alta
disponibilidade do petróleo se constituem num grande desafio.
Não
há, no momento atual, forma de escapar da importância do Golfo Pérsico. A
dependência mundial do petróleo do Oriente Médio ainda deve perdurar bem como
sua importância estratégica. A necessidade de manter o fluxo de petróleo
oriundo daquela região precisa considerar a necessidade de transição que se
planeja para as situações de conflitos. A necessidade de financiar esta
transição também exigira um controle cada vez maior nas fontes, nos preços, e
na regularidade de seu suprimento que garanta, em última análise, o equilíbrio
do fluxo de energia e possibilita a circulação do comércio e da economia como
um todo. Este equilíbrio permite a atual segurança para todos os participantes
do cenário político econômico.
Nota
1. O “Clube
de Roma” foi fundado em 1968 por um grupo de 30 pessoas de várias
nacionalidades – cientistas, educadores, economistas, humanistas etc – que,
tendo a frente o economista italiano Aurelio Peccei, propunha-se
a funcionar como um “colégio invisível”, investigando e chamando a atenção
de governos para grandes problemas que afligem a humanidade, tais como: “pobreza em meio a abundância;
deterioração do meio ambiente, perda de confiança nas instituições; expansão
urbana descontrolada; insegurança no emprego; alienação na juventude; rejeição
de valores tradicionais; inflação e outros transtornos econômicos e
monetários”. (William Watts. Limites
do crescimento, 1972, pág, 11).
Bibliografia:
JAFFE, Amy Myers and
MANNING, Robert A. Foreign Affairs, january-february,
2000.
MARANHÃO, Ricardo. Petrobras 50
WATTS,
William. “Prefácio”. Meadows,
Donella H. e outros. Limites do crescimento. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972.
Resumo:
O
objetivo deste paper
e o de refletir a respeito de algumas implicações políticas sobre o mundo contemporâneo provocadas pela atual situação do petróleo, ao ser constatado que
existe uma certa abundância “momentânea” do produto, e não a sua prevista
escassez.
Abstract:
The purpose of this paper is to offer a reflection on facts that took
place in our global village, apparently with no consequences but representing
the inevitable result of the necessity to find a substitution for the petrol
energetic pattern that brought us from the XXth to XXIst century that we will have to face for the good or the
worst.
Palavras-chave:
petróleo, energia, tecnologia, política energética.
* O autor
é advogado e mestrando em Direito político pelo NPPG do Instituto Metodista
Bennett/RJ. Autor do romance: Acima do Estado – a violência invisível no
mundo globalizado.