INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA: ECONOMIA, POLÍTICA E CULTURA PARA O SÉCULO
XXI [1]
Gisálio Cerqueira Filho *
Meus caros amigos, autoridades aqui
presentes, ilustres membros da confraria “Academia do Bacalhau de Niterói”,
meus compadres e comadres como nos chamamos uns aos outros em todas estas
confrarias, companheiros e companheiras da achegas.net
- Revista Eletrônica de Ciência Política.
Vou iniciar esta palestra, que será
breve porque somos já convocados pelo prazer da mesa, oferecendo-a à memória de meu avô paterno, originário de Caminha, Viana
do Castelo, norte de Portugal, que homenageio no poema BILHAR [2].
Don Joaquim Augusto Santana
Pereira de Távora Cerqueira
simplesmente Quim,
na Casa de Bilhares
voltam-se todos os olhares
tentaria agora o macê
como se sabe
joga-se sem apoio algum
taco empunhado
de cima para baixo
sem que se rasgue de um sopetão
o fletro
verde iluminado.
Quim ergue-se na ponta dos pés
como um bailarino
o tremor das mãos não impediu
o golpe certo
parábola suave
perfeita a trajetória da bola
O silêncio interrompido
por uma salva de palmas.
Na pessoa do Prof. Aluízio Alves Filho,
editor da www.achegas.net - Revista Eletrônica de Ciência Política – e
um dos mais criativos intelectuais brasileiros, quero render as minhas
homenagens por este um ano de “achegas” no ar. Também ao co-editor Leonardo Petronilha, quero parabenizar e
saudar, pois acaba de ser aprovado para o Programa de Mestrado em Ciência
Política da Universidade Federal Fluminense.
As Academias do Bacalhau, espalhadas pelo
mundo, tem no gavião do penacho símbolo célebre que recorda Coimbra e alude ao
brinde simpático com vinho português naturalmente, antes e depois da comida.
Mas o que certamente vocês não imaginaram é que esta ave – o gavião do penacho
– é ela própria um símbolo da integração da América Latina, da América do Sul,
cujo tema vou abordar nesta noite. Ave de cerca de 70 cm., negra nas partes
superiores e no penacho ou topete que ostenta, tem a cabeça na cor ferruginosa
e a cauda enegrecida apresenta uma faixa branca transversal. As partes
inferiores são alvas, barradas de negro, assim também no peito e no ventre.
Garras longas, o gavião do penacho é ave que me é familiar nas terras altas da
Mantiqueira. Encontramo-lo do México à Argentina como alusão comum à nossa
integração regional.
Esta, a integração regional do Brasil
na América do Sul, já não é mais tão somente a imposição de um sonho comercial.
Aliás, se a nomeação dos dias da semana em português é referida à atividade
comercial das feiras e à inspeção mercantil que fazia o rei de Portugal
dirigindo-se de uma primeira a uma segunda, terceira, quarta feira e assim
sucessivamente... (sábado vem do sabath, e domingo, do latim dominus); na
atualidade, a integração regional como um todo é uma imposição da lógica
cultural do processo de globalização econômica.
Podemos dizer que a integração regional
do Brasil na América do Sul nos conduz a uma reflexão sobre a liderança, e os
custos desta liderança, que deve ser exercida pelo Brasil no continente
sul-americano, mas contra toda hegemonia do unilateralismo.
Uma liderança que vise precisamente a produção da
integração, num sentido amplo, de natureza econômica, política e simbólica,
através da exploração decidida dos princípios do multilateralismo.
O que no passado foi um desejo de Simon
Bolívar na antiga Nova Granada, depois nomeada Colômbia; no Alto Peru, depois
Bolívia; na Venezuela, hoje corresponde a uma realidade nova e de ordem
objetiva. Pela integração regional talvez possamos equacionar os nossos
problemas internos com maior alcance político. A declaração de independência do
Chile, assinada por Bernardo O’Higgins, e que em 1968
eu tive oportunidade de tê-la em minhas mãos na condição do hóspede da Casa del
Estudiante Americano, com sede em Santiago de
Chile, foi rasgada por um dos esbirros da ditadura militar que golpeou Salvador
Allende. Isto não mais pode se repetir na América do
Sul. Temos que estreitar os laços de solidariedade fraterna entre nós
sul-americanos integrando saberes latinos de um José Martí,
de um Bonifácio de Andrada, na esperança de que seremos acompanhados nesta
aventura pelos desafortunados e excluídos, mas também pelo comércio, pela
indústria, pelos intelectuais, pelos jovens.
A pauta que hoje trazemos, aos senhores
e senhoras, muitos aqui lideranças industrias e comerciais na cidade de
Niterói, visa resumidamente:
1 - um maior dinamismo
ao comércio regional;
2 -
um real favorecimento na integração regional através da infra-estrutura:
rodovias, ferrovias, hidrovias, comunicações, matrizes energéticas,
biodiversidade;
3 -
uma facilitação do processo de interligação das cadeias produtivas, em busca de
terceiros mercados;
4 -
uma cooperação efetiva com o MERCOSUL e o Grupo Andino visando o
estabelecimento de uma ALCA em bases de multilateralidade.
Eu gostaria, na medida que
estamos aqui festejando o aniversário de um ano de uma revista de Ciência
Política – achegas.net – de me deter em alguns
iniciativas e projetos no campo da universidade que poderiam facilitar a
integração regional sul-americana.
Vou falar de um ponto de
vista transdisciplinar, a partir de um observatório
de problemas em que podem se constituir os diversos laboratórios como lugar de
trabalho, do qual emergem núcleos temáticos analíticos capazes de oferecer
alternativas de proposição e ação de uma possível Universidade regional para a
integração da América do Sul (UNIR). São apenas algumas sugestões:
1- A questão
monetária e a construção da prosperidade regional.
Impõe-se na atualidade o
aprofundamento da questão do desenvolvimento produtivo no quadro geral do
avanço do capital financeiro. Não podemos nos satisfazer com o elevado padrão
de endividamento externo e a baixa produtividade da economia.
2- Cultura(s)
Jurídica(s) e Direito(s).
Aqui queremos compreender o
impacto do romanismo na(s) cultura(s) jurídica(s)
presentes no continente sul-americano e responder à pergunta formulada por Slavoj Zizek: “Por que, e em que
condições, vale a pena lutar pelo legado cristão?”.
Em meados do século XIX,
desejamos compreender como se deram as lutas político-ideológicas em torno do debate jurídico acerca das
chamadas “codificação do Pacifico” e “codificação do Atântico
Meredional”, respectivamente com Andrés Belo e
Augusto Teixeira de Freitas. Em relação aos direitos e ao Corpus Iuris romano queremos debruçarmo-nos sobre o pensamento de Vélez Sarsfield e conhecê-lo muito mais como jurista do que como
denominação de um time de futebol argentino... Com Eugenio Raul Zaffaroni, companheiro recém nomeado para a Corte Suprema
da Argentina, devemos nos indagar sobre as condições de vulnerabilidade em que
vivem milhões de sul-americanos. A própria codificação de um Direito Penal
Internacional passa por estas preocupações inscritas, como por assim dizer, no
regional.
3- Multiculturalismo e etnodiversidade.
A cultura sul-americana na
sua rica variedade na perspectiva da diversidade étnica. O unilateralismo imposto na agenda internacional, mais
ainda quando associado ao processo de globalização econômica, política e
cultural dos tempos que correm, é um poderoso obstáculo à constituição de um
planeta em que seja possível o múltiplo. A América do Sul é território de
extraordinária diversidade biocultural que se
ressente especialmente desta ameaça. Por outro lado, a própria etnodiversidade pode funcionar como uma alavanca, apoiada
no multiculturalismo, para alcançarmos o multilateralismo desejado.
4-
Laboratório de biotecnologia, patentes e meio-ambiente
(investigações para um código da vida).
Estudos transdisciplinares
capazes de aproximar as ciências da vida dos avanços tecnológicos e das
exigências ambientalistas, de modo a desbloquear os gargalos que impedem os
projetos legítimos e autóctones. Devemos inquirir pelas singularidades
culturais e ambientais, buscando o que há de comum, procurando os elementos
interpretativos que possam favorecer a integração regional.
4- Matrizes
energéticas: o gás da Bolívia na integração regional.
Os exemplos dados, as condições efetivas que vivemos oferecem ampla perspectiva para um
engajamento dos brasileiros na integração regional sul-americana. Talvez, a
resolução de muitos dos problemas internos das distintas nações passe hoje pela
equação externa oferecida pela integração regional. É necessário, entretanto, prouzir os meios institucionais que
possam efetivar esse novo pactum societatis dependendo de nossa imaginação criadora no
campo político; dar-nos instituições que estejam à altura da magnitude
dos problemas a enfrentar.
Por fim, para encerrar, e como não
poderia deixar de ser numa Academia do Bacalhau, vou ser ousado suficiente para
dar uma receita de... bacalhau... à
sul-americana, nesta noite memorável.
Tomam-se três tomates maduros bem
vermelhos, duas cebolas médias e um pimentão amarelo grande. Cortados em tiras
são postos a fritar em azeite num refogado com um dente de alho. Não há
necessidade de sal.
À parte, fritar meio quilo de bacalhau,
também em azeite, previamente dessalgado de véspera e
cortado em lascas.
Também à parte fritar quatro batatas
médias cortadas em tiras finas.
Misturar tudo, aquecendo rápido no
azeite e pulverizar com um pouco de sal. Chama-se ao prato “bacalhau saltado”.
Caso não tenhamos uma boa quantidade de bacalhau, por razões óbvias, diminui-se
a porção do peixe famoso e nomeamos o prato de bacalhau “assaltado”!
Muito obrigado e bom jantar a todos.
Notas
[1] Palestra
pronunciada pelo Professor Gisálio Cequeira Filho, por ocasião do aniversário de um ano da
Revista eletrônica de Ciência Política www.achegas.net, no jantar comemorativo
realizado no dia 12 de novembro de 2003 no Clube Português de Niterói, Rua Lara
Vilela, 176, Ingá, Niterói. A confraternização foi em parceria com a
Academia do Bacalhau de Niterói, confraria mundial de amigos que apreciam
a cultura portuguesa, o bacalhau e o vinho.
[2] Gisálio Cerqueira Filho, “Cromos” (poemas), ilustrações de
Madalena Jara, 7Letras, Rio de Janeiro, 2000.
* Gisálio Cerqueira Filho é Doutor em Ciência Política (USP)
e Professor Titular de Sociologia. Docente e pesquisador
senior
na Universidade Federal Fluminense. Integra a comissão nomeada pelo Ministro
da Educação Cristóvam Buarque para o Projeto da
Universidade da Integração Regional para a América do Sul (UNIR).