A GUERRA FISCAL NO BRASIL: IMPACTOS
ECONÔMICOS
Marilena Simões Valentim *
O Brasil teve o seu
sistema tributário de caráter nacional a partir da Edição da Emenda
Constitucional nº 18, de 1965, onde se encontram delimitados, além dos
princípios tributários que é a legalidade tributária para a segurança da
relação jurídico-tributária entre o Estado e o Contribuinte, a discriminação
das competências tributárias da Federação, bem como a forma como será repartida
a receita tributária entre a União, Estados e Municípios. A estrutura
tributária instituída pela Emenda Constitucional de 1965 caracterizou-se por um
sistema eminentemente rígido e concentrador. A União detinha a maior parte das
competências tributárias, instituindo impostos e detendo sob sua administração
a receita tributária, em afronta ao princípio federativo que deveria existir
entre a federação brasileira (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).
Com isso, o Governo Federal detinha a parte mais significativa da receita
tributária, podendo a União, interferir na competência tributária dos outros
entes federativos. A eficiência do referido sistema revelou-se, sobretudo, na
década de 60, com forte ingerência do Estado na economia, com o fortalecimento
do setor público, compatível, portanto, com os anos do chamado “milagre
econômico”, quando o crescimento econômico chegou a atingir a cifra de até 14%
do PIB em 1973.
O referido sistema
começou a ser vulnerável a partir do final da década de 70 e início da década
de 80, quando o País exigia, além de mudança em sua estrutura política, mudança
da estrutura tributária, especialmente porque a economia começava se
desestabilizar e faltavam
recursos externos, fazendo com que a receita tributária, passasse
a ter maior relevância para o Estado cumprir sua função básica.
Com a promulgação da
Constituição Federal de 1988, foi instalada uma nova ordem, e, com ela um novo
sistema tributário, que, manteve a competência tributária da União e ampliou a
competência tributária dos estados e municípios. Todavia, a eficácia do novo
sistema foi colocada à prova, na medida em que a União passou a defender a tese
de que, inobstante a Constituição (CF/88) ter atribuído novas competências a Estados e
Municípios, não lhes atribuiu o respectivo encargo ou ônus delas decorrentes,
em prejuízo de toda a Federação. Tanto que, em 1993 com a Emenda Constitucional
nº 3, introduziram-se novas modificações no sistema tributário com a extinção e
criação de novos impostos.
Os estados federados e
os municípios com maior liberdade para instituir e isentar impostos, e com a
retirada pelo Governo Federal de parte das transferências constitucional,
geraram o conflito federativo, chamado de “guerra fiscal”.
A interpretação mais comum vê a “guerra fiscal” como a exacerbação de práticas
competitivas – e não cooperativas – entre os estados da Federação.
O tema “guerra fiscal”
vem assumindo importância crescente, frente aos benefícios fiscais e
financeiros que vêm sendo concedidos de forma generaliza pelos estados às
grandes empresas, para que estas se instalem em seus territórios. Estes
benefícios têm produzido, acreditam alguns estudiosos, concorrência predatória
entre os estados, contribuindo para agravar a crise financeira em que se
encontram. O que se tem, de fato, é um confronto entre interesses econômicos
dos estados, os quais através de concessão de benefícios, que geralmente são
via ICMS, buscam favorecer suas economias internas.
Muitas vezes as
conseqüências econômicas da “guerra fiscal” são danosas ao desempenho
econômico. A troca dos critérios de eficiência econômica por artificialismo
tributário, na localização de uma indústria, acaba por reduzir o custo privado
da produção e aumentar seu custo social. A conseqüência é a queda na qualidade e/ou quantidade de serviços públicos. De fato, esses
incentivos fiscais não geram, agregadamente, aumento
de investimentos, mas apenas determinam sua relocalização
dentro do território brasileiro. Dessa forma, não há aumento da produção e do
emprego. A “guerra fiscal” pode comprometer a capacidade do estado de dinamizar
sua economia.
A ênfase na concessão
de benefícios fiscais via renúncia do ICMS tem minimizado a importância de
características locais para a localização de projetos, como por
exemplo as economias de aglomeração, qualidade da mão-de-obra, infra-estrutura
local etc., e intensificando a guerra fiscal entre os estados. Isso reclama um
maior ordenamento das concessões fiscais, visando recompor a capacidade de
arrecadação das unidades da federação, com vistas ao saneamento de suas
finanças.
Até que
ponto a renúncia fiscal beneficiaria a sociedade e o desenvolvimento do Estado
em detrimento de outras atividades que certamente trariam, também, empregos e
arrecadação de tributos, com um maior fortalecimento das empresas?
As
concessões de benefícios fiscais, aliadas ao fato de a atual carga tributária
girar em torno de 36% do PIB, com fortes indícios de sonegação fiscal, bem como
o alto grau de informalidade da economia, demandam uma nova
estrutura tributária, visando corrigir as distorções atuais do sistema.
O
governo federal tentou sistematicamente reduzir o grau de autonomia que os
estados têm, para administrar a sua principal fonte de receita. Instituiu, em
1975 o Conselho Nacional de Política Fazendária – Confaz.
Nesse fórum, estabeleceu-se a unanimidade como regra para a aprovação de
qualquer benefício a ser concedido. Operacionalmente o Confaz
funcionou de modo eficiente até a derrocada do regime militar. A partir daí,
exacerbaram-se as práticas unilaterais na concessão de incentivos ou dilatação
do prazo de pagamento dos impostos por parte dos estados.
A
frágil capacidade do governo federal para regular, embora seja um fator de
extrema importância, não pode ser tomada como única causa da eclosão da disputa
entre os estados federados, devemos levar em
consideração a retomada dos investimentos – internos e externos – no país, a
partir de 1993/94. A forte concentração temporal de investimentos, determinada
pelo atendimento aos novos níveis de consumo após o Plano Real, devido à
estabilização da economia brasileira, deu racionalidade à postura dos governos
estaduais de procurar influenciar a alocação destes recursos, ou seja, atrair este novos investimentos para seus estados, através de
práticas que ficaram conhecidas como Guerra Fiscal.
Os
incentivos fiscais não ampliaram o investimento agregado no país, exceto nos
poucos casos em que se pode considerar a Argentina como localização
alternativa, ou seja, os recursos foram transferidos de um Estado para outro
Estado dentro do território nacional.
O custo
fiscal dos incentivos deve ser visto, portanto, como integralmente relacionado
apenas à alteração da localização interna de investimento, o que inclui também
o deslocamento de plantas existentes no espaço nacional. Por outro lado, a
localização espacial do investimento é determinada basicamente pela avaliação
das empresas quanto a custos, infra-estrutura, acesso a mercados e logística.
Para
aceitar o “afastamento” da condição de localização ótima, a empresa exige dos
governos estaduais um volume de benefícios que cubra tanto o diferencial de
vantagens estritamente econômicas, quanto o risco de uma opção que passa a
depender de compromissos assumidos por uma determinada administração de
governo. As empresas têm total controle do processo e estabelecem uma dinâmica
competitiva entre governos estaduais, que se lançam em um “leilão” de
incentivos. As diversas alternativas lhes são apresentadas em pé de igualdade,
sem que os governos tenham qualquer indicação da preferência locacional previamente definida. Dada a total
impossibilidade de os governos estaduais se articularem para negociar com os
agentes privados, o resultado final do processo, após sucessivas ofertas
competitivas, envolve um custo fiscal máximo para o país. Do ponto de vista da
empresa, quanto mais desfavorável a localização, maior
o custo envolvido.
Os
estados federados optaram por uma política de investimentos e geração de
empregos, em detrimento de uma política fiscal estável que propiciasse o
saneamento de suas finanças. Esta política foi implementada por meio de
benefícios fiscais baseados no ICMS e concessões de créditos, no decorrer de
processo de incentivos fiscais o ICMS perdeu sua vitalidade como tributo neutro
incidente sobre o valor adicionado. As distorções acumuladas ao longo de seu
período de vigência fazem com que as medidas contidas na proposta de reforma
fiscal sugerida pelo governo federal assumam caráter de relevante importância.
A guerra fiscal travada
pelos estados reflete a falta de políticas por parte dos estados em estimular o
aumento de receita do ICMS. A concessão indiscriminada de isenções fiscais, combinada com as linhas de créditos subsidiados,
impediu o crescimento da arrecadação do ICMS e tornou extremamente complexas
quaisquer estimativas de seus custos reais. A competição para atrair novos
investimentos ultrapassa a concessão de incentivos fiscais e financeiros,
estendendo-se a maiores comprometimentos em obras de infra-estrutura básica e
social. Benefício fiscal generalizado deixa de ser benefício e passa a ser
apenas renúncia fiscal, daí a importância da Reforma Tributária, para que se coloque limites precisos para a ação dos estados.
A “guerra fiscal”
entre os estados federados, como demonstrado nos estudos estatísticos não
retorna à sociedade como forma de benefício social. A guerra fiscal provoca, em
primeiro lugar, perda de arrecadação para o país, no prazo de duração dos
incentivos. Isso não implica, imediata degradação da situação fiscal dos
estados que participam da guerra fiscal. Logo, ela não tende a findar-se por si
só, e isso exige alguma ação política para, para aprovação de uma reforma
tributária que, não permita aos estados instituir regras próprias e diferentes
de tributar e conceder benefícios. Em segundo lugar, a guerra fiscal altera o
sistema de apropriação da receita tributária pelos estados, em decorrência das
mudanças no perfil locacional da atividade produtiva.
O governo federal
vem tentando restringir o poder dos estados em tributar com a tão famosa
“Reforma Tributária”. A proposta inicial do governo (PEC nº 175) era muito
tímida em relação à proposta posteriormente apresentada pelo Ministério da
Fazenda em 1997. Esta, entretanto, acabou recuando em muitos pontos depois que
a discussão na sociedade se iniciou, e se passaram a adotar várias das soluções
já existentes na proposta anterior do governo, como o imposto sobre valor
adicionado partilhado entre União e estados.
Apesar das
restrições para uma reforma tributária que atenda perfeitamente às
características ideais segundo as regras da boa tributação, tornou-se
consensual a necessidade de alterar o atual sistema tributário brasileiro. A
dificuldade é a escolha de um caminho que o torne mais eficiente, mais justo e,
ao mesmo tempo, não diminua a carga tributária global e não deixe nenhum ente
federativo em situação inferior à de antes da reforma. Além disso, há o
problema da transição do atual sistema para um novo, a ausência de muitas
informações elementares sobre a capacidade de arrecadação de novos tributos e a
imprevisibilidade da reação dos contribuintes a um novo sistema.
A reforma
tributária tem de estar atrelada, também a um novo redimensionamento da
atividade estatal, dando-se atenção não só ao aspecto da receita tributária,
mas também ao controle dos gastos públicos e de uma melhor gestão destes
recursos, através da ampliação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Requer-se
também, uma radical mudança na política de incentivos fiscais, com o corte
destes benefícios nos setores que não estiverem cumprindo os requisitos para os
quais os mesmos foram concedidos.
Além da Reforma
Tributária, necessitar-se-ia de uma arrojada política de administração
tributária nos três níveis de governo, porquanto a eficiência de um sistema
tributário não pode ser alcançada simplesmente com a extinção de tributos
existentes ou criação de novos impostos, aumentos de alíquotas ou diminuição
dos prazos de recolhimentos. É necessário aperfeiçoar a sistemática de
transferências constitucionais, competência de instituir impostos ou créditos
tributários.
Referências Bibliográficas
AFFONSO, Rui de Brito Alves. Federalismo
no Brasil. 1997. (http://www.fundap.sp.gov.br/info/fed2.htm)
AFFONSO, Rui de Brito Alves. Guerra
Fiscal no Brasil: Três Estudos de Caso – Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná.
Série Estudos de Economia do Setor Público. FAPESP. Edições FUNDAP, 1999.
AMARAL e OLENIKE, Gilberto Luiz do e João Eloi. Impactos da
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(http://www.ibpt.com.br/content/estudos/impacto2.html)
BIAVA, Adriano Henrique Rebel. Avanço
técnico com ranço de submissão. Carta de Conjuntura, ed. 146 – nov/1997.
Resumo: o presente artigo
discute a questão da guerra fiscal entre os estados e busca apresentar
subsidiariamente algumas alternativas para a reforma tributária.
Palavras-chave: Guerra
fiscal, sistema tributário, reforma tributária, constituição.
* A autora é graduada em
Economia, PUC-SP.
marivalentim@uol.com.br