DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO: UMA PERSPECTIVA HEMISFÉRICA

 

Paulo Roberto de Almeida*

 

O debate contemporâneo sobre temas da governança global tem focado, cada vez mais, questões práticas vinculadas às orientações de política econômica dos governos, avançando na definição de parâmetros relativos à chamada “good governance”, em oposição a uma simples defesa formal das regras democráticas e do respeito ao velho princípio vestfaliano da soberania absoluta dos Estados. Pretendo, neste ensaio, tratar de elementos conceituais relativos à “boa governança” em geral, de alguns argumentos empíricos sobre a materialização dessa idéia no hemisfério americano, em particular, e, por fim, de questões atinentes à posição internacional do Brasil em relação a esses temas.

 

1. Democracia e participação social

O sistema democrático, na tradição clássica, era caracterizado pela dimensão puramente política, ou institucional, do jogo político, em sistemas nacionais que, seja pelo exercício do voto censitário, seja por diferentes mecanismos de restrição das franquias democráticas, tendiam a excluir uma grande maioria da população não só dos instrumentos de representação mas igualmente dos mecanismos decisionais. A democratização social e política, em escala mundial, ocorrida no decurso do século XX, em especial a vaga de redemocratização registrada na América Latina em suas duas últimas décadas, trouxeram, como complemento das instâncias puramente políticas de governabilidade, a necessidade de serem implementadas políticas setoriais e globais de solidariedade e de justiça social. A diminuição das desigualdades e da exclusão social pode ocorrer, mais raramente, mediante convulsões sociais – como foi o caso do México, cerca de cem anos atrás – mas seria bem melhor implementada se resultando de um certo consenso nacional em torno de valores compartilhados (talvez como os dos founding fathers deste país), como pode ser o caso de processos transformistas conduzidos por elites esclarecidas ou, de forma geralmente mais desejável, pela via de um projeto nacional sólido.

A experiência histórica brasileira, nos quase dois séculos de Estado nacional desde a Independência constitui, infelizmente, uma demonstração de ausência total de transformação pelo consenso, de impossibilidade estrutural de se conjugarem forças sociais para uma mudança de tipo radical, assim como de cabal ineptitude das elites para se lançarem em um processo transformista pelo alto, capaz de conjugar conservação do poder político e incorporação social e econômica das camadas ditas subalternas. Foi preciso aguardar a vitória democrática de um partido genuinamente de massas e identificado com essas mesmas camadas para que fosse possível começar a pensar-se na formulação de um projeto nacional de promoção e de inclusão social. Esse tipo de projeto nunca foi explicitado de maneira clara nos EUA, país no qual é a sociedade que exerce a democracia, muitas vezes contra o Estado, em um processo de Nation building que carece de um centro organizador claramente definido, como no caso brasileiro, onde a anomia societal conduziu à hiperextensão estatal, e daí aos projetos de construção nacional formulados de maneira recorrente ao longo da história.

No caso brasileiro, tudo indica que o atual projeto do partido no poder não se encontra ainda acabado, uma vez que o que resultou vencedor no escrutínio de outubro de 2002 vem sendo aperfeiçoado pelo teste da governança prática, que deve necessariamente aliar demandas ilimitadas por parte da sociedade – resultado de décadas, senão de séculos de políticas excludentes – com as naturais limitações físicas de recursos para o exercício do processo transformador acima assinalado. Esse projeto se aproxima, nesse sentido, das atuais tendências da governaça global no mundo democrático da atualidade.

Com efeito, a grande fronteira ainda a ser conquistada no mundo moderno é a das barreiras internas à inclusão social, que constituem a mesmo tempo a fonte principal e a alavanca política das demais barreiras e divergências existentes no sistema internacional. A questão social é de fato e de forma dramática o fator singular mais importante que diferencia o Brasil – país satisfatoriamente industrializado e de certa forma capaz de acompanhar o progresso tecnológico da humanidade – dos resto dos países medianamente desenvolvidos (aqueles de industrialização relativamente tardia, coincidente com a segunda revolução industrial) e, a fortiori, dos países mais avançados, para os quais simplesmente não existe um problema de desenvolvimento, mas tão simplesmente o da administração das necessidades “supérfluas”.

O Brasil, por sua vez, possui um grande problema de desenvolvimento, que é também o leit-motiv de sua diplomacia econômica desde meados do século XX, pelo menos. Esse problema não se resume em assegurar progresso social e inclusão econômica de forma ampla e generalizada, mas também em corrigir distorções ainda mais gritantes da iníqua estrutura social brasileira, que se traduz na dupla exclusao sofrida pelas minorias étnicas (negra e indígena) e pela componente feminina da população brasileira. Essa exclusão muitas vezes se desdobra na prática intolerável do racismo, que deve ser combatido não apenas com todo o rigor da lei, mas igualmente pelo exemplo, com manifestações de tolerância e de inclusividade étnica, como vem justamente sendo demonstrado pela experiência hustórica do Brasil.

Em contrapartida, os EUA não têm, minimamente, um problema de desenvolvimento social, mas tão somente um de administração de recursos alocados pela sociedade, de modo amplamente democrático diga-se de passagem, para usos alternativos definidos correntemente na teoria econômica, inclusive de forma irracional e perdulária, como podem ser alguns programas militares ou de subvenções setoriais. . Os EUA também exibem, em contraste com a experiência brasileira de mistura étnica, um verdadeiro apartheid racial, que se manifesta na existência de uma cultura negra – ideologicamente chamada de afro-americana – totalmente estranha, e de certa forma oposta, às demais correntes étnicas do melting-pot.

No plano da participação política, o Brasil ofereceu ao continente, e ao mundo, no decurso do último processo eleitoral, um exemplo de transição democrática e de estabilidade institucional que há muito faziam falta na região, não obstante a amplitude da mudança de orientação política de fato registrada por meio das urnas e sobretudo na consciência cidadã. Isso significou que a maioria absoluta da população aderiu a um conjunto de mensagens que visavam não apenas valorizar a participação política e social de todos os cidadãos no processo de mudança “societal”, como também buscavam impulsionar uma série de políticas tendentes retomar o projeto nacional indutor de desenvolvimento que vinha sendo sugerido pelo partido que finalmente converteu sua maioria sociológica em maioria congressual.

Assim, se parece razoável afirmar que a democracia já não mais constitui um “problema” no Brasil, tendo sido superadas as amarras que a faziam restrita e canhestra até um passado ainda bem recente, parece claro, também, que persiste um grave problema de inclusão social e de desenvolvimento econômico, revelado, de modo amplo, nas carências terríveis que afligem grande parte da população brasileira. Esse problema não é somente do Estado, mas da Nação, pois que o Estado detém apenas instrumentos administrativos para selecionar políticas setoriais e nacionais indutoras de progresso técnico ou tecnológico, mas não consegue, por si só, mudar a face de todo o País, tarefa acima de suas forças (sobremodo restritas num país imenso e ainda parcialmente indevassado como o Brasil).

Não se trata, portanto, de avançar argumentos contra ou a favor da idéia de Estado mínimo e sobre eficácia relativa ou não dos mecanismos de mercado para corrigir as mais graves distorções sociais e econômicas existentes na sociedade. O aparelho público deve ser adequado às tarefas governativas e à missão social que ele deve cumprir, independentemente de seu tamanho ou extensão relativos (que serão sempre o resultado de um determinado conjunto de forças históricas). Estado ativo e sistema político aberto à participação ampla da cidadania foram aliás os fatores de progresso social nos países modernamente democráticos e economicamente avançados, ainda que em alguns deles – aqueles que justamente não conheceram revoluções burguesas, como evidenciado na obra do sociólogo Florestan Fernandes – o processo de industrialização possa ter sido feito, no passado, ao abrigo de regimes autoritários e socialmente excludentes (como de resto ocorreu também no Brasil).

Em nenhuma dessas experiências históricas bem sucedidas em termos de inclusão das camadas subalternas, a correção das mais graves iniqüidades sociais se fez pela via do mercado, mas pela da promoção educacional e pela redistribuição fiscal induzida por políticas tributárias progressivas aplicadas em bases nacionais. Os EUA não conheceram redistribuição tributária antes de já iniciado o século XX – ainda no final do século XIX a Suprema Corte declarava inconstitucional o imposto de renda individual – mas, em contrapartida, tiveram estruturas educacionais contemporaneamente à própria formação da sociedade nacional.

 

2. Tecnologia e desenvolvimento socio-econômico

Os campos do desenvolvimento tecnológico e do meio ambiente, que podem ser tomados como exemplos de setores nos quais determinados fatores de “indução” escapam, em parte, às determinações do mercado, parecem, efetivamente, constituir aqueles nos quais externalidades negativas podem dificultar o processo de catch-up e de correção de perdas globais que penalizam os países em desenvolvimento. Eles são, portanto, suscetíveis de receberem sinalizações adequadas por parte do poder público nesses países como forma de corrigir aqueles fatores de “cumulatividade negativa” que dificultaram o processo brasileiro de desenvolvimento, como identificado em obras de economia política como as de Celso Furtado.

O correto funcionamento da máquina estatal, com uma justiça eficiente e a ausência de mecanismos de rent-seeking ou de redistribuição pelo alto – fenômenos negativos que muitas vezes ocorreram no Brasil, com elites mais ou menos predatórias do patrimônio público – são condições essenciais para o progresso e a inclusão sociais. Mesmo a corrupção empresarial, que ocorre inteiramente no setor privado, é suscetível de ser coibida pelo Estado, pois que podendo dilapidar os recursos de pequenos poupadores individuais, confiantes no funcionamento adequado dos mercados de valores e dos fundos de investimentos. O exemplo dos Estados Unidos oferece uma experiência positiva, tanto pelo lado da sustentação estatal de programas de pesquisa científica, como pela existência de uma justiça eficiente, rápida e relativamente transparente. Os sistemas constitucional e federativo, porém, funcionam de modo muito diverso nos EUA e no Brasil, a despeito de similaridades superficiais.

Todos esses elementos – que se identificam com os princípios da chamada “good governance” e da “accountability”, para usar dois conceitos em voga nos EUA – podem ser transpostos no plano internacional, cenário no qual se observam iniqüidades e divergências de níveis de vida tão ou mais brutais do que aqueles existentes no interior de sociedades de outra forma relativamente industrializadas, como o próprio Brasil. As duas últimas décadas do século XX assistiram ao crescimento das divergências sociais e das disparidades de renda, dentro dos e entre os países, aprofundando tendências que se encontravam latentes desde a segunda revolução industrial. Essa situação conspira contra a democracia dentro dos países e na própria comunidade internacional, como revelado, em outra dimensão, pela ascensão aparentemente irresistível da potência imperial ao píncaro do poder e da supremacia tecnológica na atualidade e as deformações daí decorrentes para uma governança global legitimamente democrática.

 

3. Desenvolvimento econômico e social: os limites do multilateralismo

Persistem dúvidas legítimas, porém, de que as divergências socio-econômicas e os déficits persistentes de democracia no mundo, possam ser corrigidos pela “ação natural” do sistema multilateral – que não pode ser comparado, mecanicamente, às forças do mercado –, em virtude de uma contradição que aparece como decisiva e fundamental na forma de representação de uma e outra instância, a nacional e a internacional.

Na primeira, pode-se efetivamente assegurar a validade e a legitimidade do princípio “uma voz, um voto”, ao passo que na segunda, pela natural assimetria do corpo representativo, a proporcionalidade “real” se encontra totalmente deformada pela observância formal do princípio vestfaliano da soberania absoluta das nações. Dito em uma palavra, Timor Leste e China possuem cada qual um voto no sistema onusiano, ainda que esta possa abrigar milhares de “Timor Leste” se observado o princípio estrito da proporcionalidade. Como “obrigar” democraticamente ambas as nações a determinados compromissos internacionais se subsiste tal desproporção na representação? Não é preciso dizer que os EUA recusam abertamente qualquer sistema “universal” que busque sobressair-se ao poder indivisível do Estado soberano “vestfaliano”, não porque ostentem qualquer anti-multilateralismo arrogante ou anti-democratismo visceral, mas porque acreditam que seu modo de vida – que eles chamam freedom – só pode ser preservado nos quadros do Estado nacional.

O multilateralismo é, sem dúvida, um avanço considerável no plano das relações internacionais, quase tão importante quanto o princípio democrático nos processos de Nation building, mas ele pode não ser suficiente, ou adequado, por si só, para corrigir distorções de desenvolvimento ou divergências de progresso tecnológico, que encontram raízes no plano essencialmente interno, ou “societal”, não apenas como resultado de espoliação colonial ou de dominação por economias mais avançadas.

A grande tarefa do desenvolvimento aparece como uma missão fundamentalmente interna, apoiando-se antes de tudo na educação, ainda que possa vir a contar com aportes de recursos externos e que também possa beneficiar-se de um bom ambiente internacional (comércio e intercâmbio tecnológico, por exemplo). Ainda que a solidariedade possa ser proclamada como princípio válido, ela é mais suscetível de encontrar-se nos casos de assistência, que não trazem de verdade o desenvolvimento, já que, no mais das vezes, as relações inter-estatais continuam a ser caracterizadas pelos interesses materiais, por vezes de forma bastante egoísta como se sabe (a exemplo do protecionismo e do subvencionismo agrícolas europeu, notoriamente fonte de iniqüidades e de injustiças no plano do comércio internacional).

 

4. Assimetrias de poder e sistema econômico internacional

Ao lado do problema do desenvolvimento, afetando seguramente três quintos da humanidade, situa-se o problema do poder, caracterizado por doses ainda maiores de assimetria no plano internacional, terreno no qual o multilateralismo constitui, sem dúvida alguma, o mais potente aliado de países como o Brasil contra o arbítrio dos poderosos e arrogantes. Entretanto, a eventual correção dessas desigualdades não se situa tampouco no plano multilateral, que não é senão o reflexo de diferenciais de poder construídos no plano nacional, do State making.

A diminuição dessas diferenças de poder não se dará pela cooperação internacional, mas por um processo de capacitação tecnológica interna, que não necessariamente precisa enveredar pela via militar, ainda que esta não deva estar excluída tampouco. Não há decisão multilateral capaz de corrigir os diferenciais de poder, assim como dificilmente a cooperação internacional conseguirá, por si só, eliminar as divergências de desenvolvimento entre os povos. Na atualidade, os EUA encarnam, justamente, o melhor e o pior de um sistema internacional tendencialmente democrático, mas ainda marcado por diferenças quase irredutíveis de interesses entre os estados.

Países como o Brasil, porém, não disputam tanto posições de poder internacional quanto espaço econômico e oportunidades de desenvolvimento, que atualmente só podem se dar no contexto de um sistema econômico interdependente. Aqui aparece como de caráter imprescindível a existência de um sistema multilateral de comércio aberto e eqüitativo para fins de desenvolvimento econômico e tecnológico, suscetível inclusive de praticar “discriminações positivas” em favor dos países em desenvolvimento, assim como no plano interno são justificadas as ações afirmativas de promoção dos estratos mais desfavorecidos da população – negros, indígenas, outras minorias –, que se ressentem de “externalidades negativas” ou do acúmulo de barreiras ao seu processo ascensional, fruto de eras de dominação não-democrática.

Essas “ações afirmativas” podem ser praticadas sob a forma de políticas setoriais (industriais ou tecnológicas), ainda que nesse terreno seja preferível a transversalidade ou o caráter horizontal desse tipo de política, a exemplo dos investimentos extensivos em educação de pobres e excluídos, inclusive com bolsas-escola para negros ou cursos gratuitos para pobres em geral, antes que quotas ou reservas de vagas.

Alternativamente, a seleção política de determinados beneficiários pode acabar acentuando a regressividade da distribuição estatal e a conseqüente alocação de recursos de toda a sociedade para os já incluídos, quando não os ricos absolutos (que seriam os industriais paulistas, por exemplo, em face dos sem terra do Nordeste, num caso hipotético). Nos EUA, por exemplo, as políticas industriais (que são descentralizadas) são conduzidas pela via dos investimentos públicos (nos vários níveis) em instituições de CeT e pelas inversões privadas em ReD, ou então pela indução das compras governamentais (muitas vezes maciçamente, até de forma perdulária, como no caso do Pentágono).

 

5. Papel dos acordos comerciais de liberalização

Os processos negociadores atualmente em curso nos planos sub-regional, hemisférico e do sistema multilateral de comércio terão um certo impacto no perfil imediato e futuro do desenvolvimento industrial e tecnológico brasileiro, inclusive porque determinados aspectos dessas negociações vão muito além do livre-comércio costumeiro e “normal”. Não se deve, porém, superestimar o potencial transformador desses acordos e processos de liberalização para o chamado ordenamento sócio-econômico do País, já que o rabo comercial não é capaz de, sozinho, abanar o cachorro do desenvolvimento.

Mas, não se pode, tampouco, subestimar esse impacto, inclusive porque alguns desses acordos não são meramente comerciais. A relativa “desimportância” dos impactos desses acordos – tanto negativos quanto positivos, vale dizer – pode ser derivada da experiência precedente de outros acordos de liberalização (como o Nafta, por exemplo) ou de abertura de mercados no quadro das rodadas comerciais anteriores, de resto muito pouco transformadores das estruturas econômicas ou sociais de paises como o México ou mesmo Canadá (contra as previsões mais pessimistas, ou mais otimistas, feitas por opositores e partidários desses acordos). A bem da verdade, o México conheceu, sim, impactos econômicos siginificativos derivados do acordo do Nafta – sobretudo no campo dos investimentos, do aprofundamento da inserção econômica internacional, com o maior peso do comércio exterior na formação do PIB e também na elevação da renda dos setores vinculados à economia exportadora – mas esses efeitos não foram suficientes para transformar as estruturas sociais do México tradicional.

De fato, são os efeitos indiretos dos aumentos de competitividade e de produtividade (por vezes induzidos por mudanças mais internas do que externas), mais do que a abertura comercial em si, que conseguem produzir impactos mudancistas mais substanciais, como experimentado em processos históricos dignos de nota, como no caso de alguns tigres asiáticos ou mesmo da região. O Chile, por exemplo, modificou a natureza e a orientação de sua política econômica interna muito antes de tornar-se adepto do livre-cambismo irrestrito e universal. Na sub-região do Cone Sul, doze anos de Mercosul não lograram transformar decisivamente países como Paraguai e Uruguai, de resto insulados de seus efeitos mais impactantes por exclusões nacionais e setoriais que têm atuado como salvaguardas permanentes a um processo mais amplo de liberalização.

 

6. Brasil e EUA: parceiros estratégicos dos esquemas comerciais hemisféricos

Os EUA, como se sabe, sempre estiveram na vanguarda dos processos de abertura econômica e de liberalização comercial conhecidos pela ordem econômica internacional do último meio século, por vezes de maneira altruística, mas mais freqüentemente por interesse próprio, como soe corresponder a uma economia baseada na livre iniciativa e no princípio da vantagem individual. A economia capitalista brasileira não se organiza de modo diferente, mas obviamente não dispõe ainda de condições para enfrentar de modo aberto esse tipo de concorrência darwiniana. Os EUA parecem dispostos a reconhecer necessidades específicas dos países em desenvolvimento, mas é óbvio que o quadro mental no qual evoluem os negociadores americanos tende a privilegiar os interesses das suas corporações, antes que projetos nacionais de desenvolvimento formulados por Estados soberanos.

Essas diferenças de percepção quanto aos objetivos finais e os beneficiários últimos do processo de liberalização hemisférica ou multilateral explicam, em grande medida, os enfoques divergentes e as divergências aparentes quanto às modalidades negociadoras e o escopo dos eventuais acordos privilegiados respectivamente pelo Brasil e pelos EUA. O bom relacionamento já alcançado no plano político por ambos os países, em especial por seus dirigentes máximos, conseguirá, no entanto, encontrar um terreno de conciliação entre os interesses parcialmente divergentes dos dois maiores estados do hemisfério no plano econômico. A manutenção de um bom nível de diálogo entre ambos os países, como demonstrado pelos encontros até aqui mantidos em nível ministerial e presidencial, contribuirá para que se alcance esse objetivo.

 

Resumo: o propósito é colocar em evidência alguns elementos conceituais relativos à boa governaça, levantar alguns argumentos empíricos sobre a materialização dessa idéia no hemisfério americano e enfocar algumas questões relativas ao Brasil em relação à temática aludida.

 

Palavras-chave: Governança, democracia, participação social, desenvolvimento, sistema econômico internacional.

 

* Paulo Roberto de Almeida

Washington, 8 de agosto de 2003

 

(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)  

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