Apresentação do livro “Hegemonia e Contra-hegemonia: Globalização e Integração das Américas”. Theotonio dos Santos (coordenador). Editora PUC/RIO, 2005.

 

Monica Bruckmann*

 

Com a publicação deste livro está completa a série Hegemonia e Contra-hegemonia, que reúne em quatro volumes os trabalhos apresentados durante o Seminário Internacional Hegemonia e Contra-hegemonia: os impasses da globalização e os processos de regionalização, realizado em agosto de 2003 no Rio de Janeiro, por iniciativa da Cátedra e Rede UNESCO/Universidade das Nações Unidas sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável, sob a coordenação de Theotonio dos Santos.

O primeiro volume, Os impasses da Globalização, trouxe os estudos teóricos e conceituais mais gerais sobre o tema da Hegemonia e Contra-hegemonia. O segundo título, Globalização: dimensões e alternativas, se concentrou nos diversos aspectos que caracterizam o complexo processo hegemônico mundial e as alternativas possíveis desde a perspectiva dos países em desenvolvimento. O terceiro volume, Globalização e Regionalização, teve como foco a análise dos diferentes processos de regionalização no mundo e os aspectos geopolíticos que definem sua dinâmica. Neste quarto volume, Globalização e Integração das Américas, são apresentados os trabalhos que discutem os processos de integração no continente americano e os interesses da América Latina frente aos interesses hegemônicos dos Estados Unidos. 

Como o leitor poderá apreciar, esta série representa um material de referência fundamental para o estudo da economia mundial contemporânea e da complexa dinâmica de luta por hegemonia e dominação em nível planetário. Contém trabalhos que dão densidade e profundidade ao debate, a partir de uma perspectiva de análise alternativa ao pensamento único e à doutrina neoliberal que dominou as ciências sociais ao longo das últimas décadas, recuperando a tradição do pensamento social crítico com toda sua vitalidade e criatividade.

O que se discute nas páginas que se seguem são aspectos fundamentais para o futuro da América Latina. Em primeiro lugar, coloca-se em questão o tipo de integração necessária para promover o desenvolvimento soberano da região. Esta integração precisa ir além dos acordos comerciais e das zonas de livre-comércio, contemplando aspectos históricos, políticos, culturais e sociais comuns. Ou seja, um modelo de integração qualitativamente distinto, mais profundo e de maior duração, que ao mesmo tempo se proponha o desenvolvimento dos países membros e suas nações, além e apesar das assimetrias existentes entre suas economias. A Área de Livre-Comércio das Américas (ALCA) e seus instrumentos colaterais de dominação expressados em iniciativas político-militares, se apresentam neste contexto como uma tentativa clara de reorganizar a hegemonia dos Estados Unidos na região, ao mesmo tempo em que condenam suas economias a abandonar toda perspectiva de crescimento econômico sustentável, de industrialização sob estruturas modernas, de desenvolvimento científico e tecnológico apoiado em investimentos maciços neste setor e em um sistema educativo inclusivo e de alta qualidade, de melhora da qualidade de vida da população e, sobretudo, dos setores mais excluídos econômica, social e politicamente.

Frente aos postulados do discurso neoliberal de minimizar o Estado e diminuir seu papel na economia, nas páginas seguintes, defende-se a necessidade de redimensionar o rol articulador y organizador dos Estados nacionais na economia e na elaboração e condução de estratégias de desenvolvimento nos paises da região.  Neste sentido, o Estado continua a ser o principal núcleo de estruturação e organização da economia e a sociedade em seu conjunto, assim como a base institucional para a articulação dos processos de integração regional, na medida em que processos de integração mais profundos requerem de uma certa cessão de soberania nacional, alem de marcos reguladores de amplia abrangência que só o Estado pode garantir.

Estamos, pois, frente a grandes desafios e um panorama político extremamente complexo na região que se agrava com mais quatro anos de governo Bush nos Estados Unidos. Esperamos que os trabalhos que a seguir apresentamos ajudem a identificar os elementos centrais desta problemática, e ao mesmo tempo sirvam de base para desenhar alternativas a partir dos governos e dos Estados. Mas, sobretudo, e fundamentalmente, a partir da sociedade organizada e dos movimentos sociais que vêm livrando uma batalha aberta de resistência à ALCA, às brutais desigualdades sociais e ao aumento irracional da miséria e da pobreza na região, ao desmantelamento dos direitos sociais conquistados através de tantos anos de luta, à expropriação dos recursos naturais, à intolerância, discriminação e corrupção dos governos de turno e as elites dominantes.  

Este livro reúne os trabalhos de Otto Boye, Orlando Caputo Leiva, Jaime Estay, Alan Fairlie, Carlos Eduardo Martins e Marcelo Carcanholo, Julio Gambina e Agustín Crivelli, Fidel Aroche e Oscar Ugarteche, Pierre Salama, Elivan Rosas Ribeiro e Franklin Trein, Luciano Coutinho, Argemiro Procópio, Eduardo Portella e o discurso de Eurico de Lima Figueiredo em homenagem à memória de René Dreyfuss.

A presente publicação inicia-se com um dos  últimos trabalhos de Celso Furtado,  cuja repentina desaparição deixa uma profunda marca no pensamento social contemporâneo.  No seu discurso, proferido na sessão inaugural do Seminário Internacional REGGEN 2003, faz um chamado à necessidade de repensar o subdesenvolvimento a partir de uma análise mais profunda dos processos históricos, rechaçando qualquer visão fatalista. Segundo Furtado, para o Brasil sair da atual encruzilhada que o obriga a concentrar renda para satisfazer a crescente propensão ao consumo dos segmentos privilegiados, o país terá que se submeter a importantes reformas estruturais que exigirão o apoio de um amplo movimento da opinião pública, antes que o quadro internacional e a hegemonia unipolar restrinjam ainda mais a capacidade de se exercer a soberania. Esta é uma tarefa para várias gerações, na medida em que os problemas se acumulam desde a época colonial e, em parte, resultam da dimensão continental do país.

 

Em seu artigo Reestruturação econômica dos Estados Unidos e anexação da América Latina, Orlando Caputo Leiva analisa a reestruturação da economia dos Estados Unidos e sua transformação em potência única mundial, que se nega a compartilhar com qualquer outro país desenvolvido seu “indisputável” domínio global.  Enquanto isso, na América Latina se haveria produzido um processo de involução e de forte desnacionalização das economias dentro de um evidente processo de anexação aos Estados Unidos. 

A partir de uma profunda crítica à ciência econômica dominante, que tem como cenário fundamental as economias nacionais, e que considera que em condições de livre-mercado as crises econômicas são inconcebíveis, o autor defende a existência de uma economia mundial que se move no tempo e no espaço por meio de movimentos e crises cíclicos. Esta economia mundial, comandada por grandes empresas transnacionais, tem nas crises cíclicas um elemento consubstancial ao funcionamento do capitalismo mundial. Neste sentido, não se poderia descartar uma crise que leve à ruptura da globalização, como etapa atual da economia mundial, para passar a organizar a economia capitalista a partir de blocos regionais.

Caputo sustenta que as seis crises cíclicas internacionais que se apresentaram a partir de 1970 evidenciam uma clara tendência à superprodução, cada vez mais ampla, provocando uma diminuição generalizada de preços. Esta superprodução mundial de bens, e, em especial, de alimentos, se apresenta simultaneamente ao aumento da pobreza e da fome no mundo, como resultado da lógica interna do capitalismo.

Com a globalização, produz-se nas três últimas décadas um desenvolvimento desigual profundo entre os Estados Unidos e a América Latina. Enquanto os primeiros reestruturam sua economia com forte apoio estatal, e mantêm uma tendência de elevação de sua taxa de lucro – que os levaram a reconquistar a hegemonia econômica mundial –, no caso da América Latina apesar das taxas de lucro também elevadas, os níveis globais de investimento praticamente não cresceram nas duas últimas décadas. Os investimentos diretos estrangeiros junto com as dívidas com o exterior provocaram um estrangulamento das capacidades de reprodução de suas economias. Isto se expressa claramente no fato de que a partir de 1999, América Latina se transforma em um exportador líquido de recursos.  

Neste contexto, conclui o autor, a ALCA, impulsionada pelos Estados Unidos, será a formalização e o aprofundamento da política econômica neoliberal e dos resultados e tendências da globalização.

Otto Boye, em seu artigo A integração da América Latina como resposta a um mundo com hegemonia unipolar, nos dá um panorama geral dos processos de integração na América do Sul. Sustenta que no atual cenário de globalização unipolar, a integração da América Latina é o único instrumento para dispor a região de um mínimo de autonomia, que lhe permita ser sujeito na construção de um modelo multipolar de globalização no caminho em direção a um mundo mais justo, solidário e governável.

O rápido avanço dos processos de integração sub-regional a partir da segunda metade dos anos 1990 permitiu uma recuperação do comércio intra-regional, que, junto com o desenvolvimento de novos marcos regulatórios para o investimento estrangeiro, permitiu uma explosão de investimentos diretos intra-regionais. No entanto, junto com este dinamismo se observam também evidentes limitações que prejudicam os resultados deste processo: a perda progressiva de influência dos organismos e instâncias de maior alcance regional, agravada pelo caráter eminentemente intergovernamental dos processos de integração, os coloca vulneráveis ao interesse dos diferentes governos e conjunturas nacionais; as relações recíprocas ainda não são determinantes para a maioria dos países da região, assim como o enfoque predominantemente “comercialista”. Por outro lado, a aplicação de uma estratégia integradora na América do Sul deve contemplar as evidentes assimetrias econômicas e o desenvolvimento humano, permitindo o desenho coerente de modalidades para o “trato especial e diferenciado” em favor das economias menores, assim como o desenvolvimento de uma infra-estrutura regional adequada que permita aproveitar plenamente o potencial integrador.

Neste complexo processo, a proposta da ALCA aponta para modificar radicalmente a “utopia integradora”, privilegiando o espaço hemisférico ou “pan-americano” em detrimento do espaço latino-americano e caribenho. Neste contexto, os desafios para o desenvolvimento latino-americano exigem um grande esforço para impulsionar sobre novas bases a integração regional, que permita aproveitar todos os avanços existentes nesta matéria e aperfeiçoar seus alcances e  institucionalidade. Isto significa: promover a convergência sul-americana entre a Comunidade Andina de Nações (CAN) e o Mercosul, e aproximar o Mercado Comum Centro-Americano (MCCA) da Comunidade do Caribe (CARICOM), passando de quatro a dois esquemas subregionais que prepare o caminho para uma convergência maior. Esta convergência necessita de um acordo entre os países latino-americanos e caribenhos, para o qual já se conta com um instrumento pertinente, que é o Sistema Econômico Latino-Americano (SELA), criado a partir da reunião do Panamá, em 1975.

No trabalho A Alca e as suas transformações, Jaime Estay faz um balanço do processo de criação da Área de Livre-Comércio para as Américas (ALCA), identificando os principais conteúdos da negociação e os problemas que têm sido enfrentados para a sua viabilização, a ponto de pôr em risco sua concretização nos prazos previstos e nos termos em que foi proposta inicialmente. Segundo o autor, a Alça está no centro da estratégia dos Estados Unidos para a América Latina e para o Caribe, cobrindo componentes econômicos e complementando-se com iniciativas de caráter político-militar. Os avanços na estrutura da negociação estão ocorrendo em vários níveis, através de “Reuniões de Cúpula”, “Reuniões Ministeriais” e da constituição do Comitê de Negociações Comerciais (CNC). 

No entanto, defende Estay, a postura inicial dos governos da região de aceitação plena do acordo da forma como foi proposto pelos Estados Unidos vem sendo paulatinamente substituída por um endurecimento nas posições oficiais desses países em relação à ALCA, aparecendo temas particularmente “sensíveis” e de divergência com os Estados Unidos e crescentes mostras de inconformismo dos mais diversos grupos sociais que exigem uma proposta alternativa neste momento, que não seja construída a partir dos interesses dos grandes capitais do hemisfério, mas sim da imensa maioria dos habitantes da região. 

Alan Fairlie, em seu artigo Alguns desafios para a integração andina, analisa o processo de integração dos países andinos e dos desafios que se apresentam para consolidar a Comunidade Andina de Nações não apenas como um mercado comum como também como um processo de “integração profunda”. 

O autor sustenta que há a tendência a subestimar os mecanismos de integração quando as variáveis econômicas e sociais dos países dessa sub-região mostram um comportamento positivo, e se superestimam os mesmos fatores quando os indicadores são negativos. Por outro lado, assinala que não se lograram benefícios notórios para todos os integrantes da CAN, apesar de que há países membros com graus similares de desenvolvimento e da existência de políticas específicas para os países de “menor desenvolvimento relativo”. As variáveis de crescimento econômico, emprego, distribuição de lucros, redução da pobreza são normalmente excluídas da agenda, atribuindo a elas caráter eminentemente doméstico, sem ter em conta que os processos de regionalização deveriam estar de acordo com as estratégias de desenvolvimento de cada país.

O desafio da Comunidade Andina, segundo Fairlie, é alcançar um grau de integração que permita a este bloco fazer frente à ALCA em melhores condições de negociação. Neste sentido, as aproximações da CAN com o Brasil ou Mercosul, ainda que unilaterais, fortalecem a Zona de Livre-Comércio Sul-Americana, enquanto que qualquer aproximação unilateral dos países da região com os Estados Unidos a debilitam. A ALCA seria então um processo de integração complementar, um acordo OMC-Plus, enquanto que a Zona de Livre-Comércio Sul-Americana seria um acordo ALCA-Plus, mais profundo em seus alcances, do que seria o ALCA da forma em que esta proposto.

Finalmente, o autor destaca a importância da participação dos agentes sociais e econômicos no processo de integração andino como única garantia de êxito permanente, através de um diálogo no interior de cada país mediante os respectivos canais de participação e os mecanismos institucionais existentes e os que sejam necessários criar.

No ensaio Integración regional e integración continental. Notas para a análise da  integração entre a CAN e o MERCOSUL, Fidel Aroche e Oscar Ugarteche analisam os processos de construção de blocos e integração econômica no continente americano a partir da evolução do comércio internacional e a mudança estrutural nas economias da região, tomando como exemplos Argentina, Brasil, Canadá, México, Peru e Estados Unidos. A partir disso, se sustenta que não existe evidência de uma relação estreita entre crescimento das exportações e do PIB, ou uma relação causal entre o primeiro y a taxa de formação de capital, com o qual se poria em dúvida o argumento que sustenta que os acordos de livre-comércio regionais, como o Mercosul ou a CAN, aceleram o crescimento das economias participantes.

Os autores defendem que é possível que a internacionalização dos processos produtivos debilite os setores produtivos, sobretudo se as economias carecem de vantagens comparativas e de um perfil de especialização definido, na medida em que os produtores internos são incapazes de competir nos mercados internos ou externos. Neste sentido, a abertura implica na fratura dos processos produtivos internos e na integração destes com a economia internacional, observando-se um processo de desindustrialização, onde a relação entre as maiores economias e as periféricas é de produtos finalizados e altamente tecnologizados versus matérias-primas ou produtos de baixo conteúdo tecnológico.  Os processos de integração tampouco lograram que os países mais próximos se convertam nos mercados mais importantes dos sócios comerciais.

É possível então a integração em algum bloco que permita com que os países retenham sua capacidade de crescimento? Aroche e Ugarteche postulam três elementos capazes de responder a esta pergunta: Primeiro, as economias latino-americanas tem apresentado as maiores taxas de crescimento durante um período mais longo, enquanto se industrializavam e suas estruturas econômicas se integravam verticalmente; Segundo, alguns países parecem crescer a taxas menores e com menor estabilidade, quando há uma maior abertura de suas economias; Terceiro, os Estados Unidos são o único país que tem mantido um crescimento maior por um período mais longo e são detentores da economia menos afetada pela integração.

No trabalho Origem e características do Mercosul: vulnerabilidade externa de suas principais economias e perspectivas de uma integração latino-americana soberana Carlos Eduardo Martins e Marcelo Carcanholo fazem um balanço da origem do Mercosul, seus principais objetivos e sua evolução, a partir da análise das variáveis macroeconômicas dos dois principais países do bloco: Argentina e Brasil.  

Segundo os autores, duas grandes dificuldades se apresentaram para a coordenação das políticas macroeconômicas no interior do bloco. Por um lado, a assimetria entre os países que compunham o Mercosul e a vulnerabilidade externa como fruto das estratégias neoliberais implementadas no período, que priorizou a abertura externa de suas economias e as levou a uma nova priorização das exportações; e de outro lado, a expansão brutal do endividamento externo. Neste sentido, o avanço da integração regional, que se manifestou no incremento dos fluxos de comércio intra-regional, se baseou em políticas macroeconômicas insustentáveis, que aumentaram fortemente a vulnerabilidade externa de suas economias, e as levou, em fins da década de 1990, a uma forte crise que colou em dúvida os avanços realizados.  

A importância do Mercosul em termos prospectivos residiria em servir de ensaio e afirmação de uma integração latino-americana soberana e contrária à ALCA. Para tanto, segundo Martins e Carcanholo, é fundamental o papel do governo do PT no Brasil, mesmo que as políticas de “continuidades”, assumida na área econômica, de seguridade social e de direitos dos trabalhadores não sejam muito animadoras.

Julio Gambina e Agustín Crivelli, no artigo O Mercosul e a Argentina, fazem um balanço histórico da inserção da Argentina na ordem mundial, distinguindo três etapas: a hegemonia espanhola, a inglesa e a dos Estados Unidos. Nesta terceira fase, a Argentina se inseria no mundo capitalista sob o domínio econômico dos Estados Unidos, mas com uma forte influência européia, o que define uma clara contradição na sociedade capitalista Argentina, onde predomina o investimento norte-americano e ao mesmo tempo uma forte concepção anti-americana em diversos setores sociais. O Mercosul surge no marco da generalização das políticas de abertura e alento à iniciativa privada sob o comando das transnacionais, o que define uma necessidade integradora a partir de uma concepção mercantil. O Estado nacional deixa de exercer o comando das estratégias de integração, definindo o novo caráter da integração capitalista na região, com o predomínio da corrente monetarista e neoliberal.

Depois de uma análise minuciosa das relações comerciais intra-regionais e do Mercosul com o resto do mundo, os autores concluem que existe uma tendência ao aprofundamento das relações entre os países da região, potencializada por uma forte vontade política dos países envolvidos. Contudo, a possibilidade de instalar um projeto regional soberano não é decidida no marco da instituição governamental, mas principalmente na dinâmica da resistência promovida pelas classes subalternas, que brinda uma possibilidade histórica de limitar o poder das classes dominantes na região e de construir uma perspectiva de poder alternativo.

Pierre Salama, em seu ensaio O Brasil na encruzilhada, sustenta que com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, o Brasil se encontra frente ao dilema de permanecer como está e decepcionar os eleitores de Lula, ou abrir uma nova via para América Latina. As restrições externas impostas pelo FMI e pelo mercado financeiro internacional à política econômica de Lula existem e não podem ser ignorados, no entanto, elas deixam uma pequena margem de manobra que deve ser aproveitada para definir medidas econômicas alternativas às tomadas pelo governo anterior.

Para o autor, é possível que o Brasil modifique o seu modo de crescimento, através do aumento nas pequenas rendas da população e do programa Fome Zero, que permitirá impulsionar uma nova dinâmica ao fraco mercado interno do país e que, ao mesmo tempo, representará uma fonte de criação de empregos.  Isto não significaria fechar-se para o mercado externo, mas sim, ao contrário, mover-se nos dois âmbitos: interno e externo. A competitividade da economia brasileira no mercado externo depende da combinação salário / produtividade e da taxa de câmbio praticada. Optar por salários mais baixos, ainda que seja lucrativo para o capital no curto prazo, significa condenar-se a utilizar intensivamente, no longo prazo, mão-de-obra pouco qualificada, enquanto que salários mais altos representam uma maneira de obrigar as empresas a flexibilizar seu processo de produção, gerando no âmbito macroeconômico efeitos multiplicadores em termos de emprego e nível de renda, o que ao mesmo tempo tende a valorizar o capital nos setores dinamizados. Este processo necessita do investimento do Estado por meio de uma política industrial ativa que contemple subsídios e uma diminuição de carga fiscal aos setores-chave para uma aposta em “novas estruturas”. Deste modo, o apoio à demanda, ainda que modesto, pode permitir um pequeno aumento do crescimento e romper com a tendência à quase recessão da economia brasileira desde 2001.

Salama conclui que a redistribuição de renda oferece novas possibilidades de valorização do capital, ainda que o seu custo esteja no aumento do gasto público e no desrespeito à disciplina fiscal que o governo brasileiro aceitou e que  necessário renegociar. Isto passa pelo fortalecimento do Mercosul frente à ALCA, que permita negociar em melhores condições as restrições hoje existentes em relação ao superávit primário e ao serviço da dívida.  O regresso ao caminho do crescimento depende da manutenção de demanda nos setores menos favorecidos e do aumento do investimento na produção. 

No artigo O estado atual da globalização do mercado mundial e sua repercussão na economia brasileira, Elivan Rosas Ribeiro e Franklin Trein identificam as principais tendências da economia mundial. Entre elas se destacam o processo de internacionalização do capital, a velocidade de circulação do capital como produto do avanço tecnológico, as fusões de empresas como estratégia competitiva e a formação de blocos regionais. A partir de uma análise que recorre à perspectiva histórica, faz-se um balanço dos processos de regionalização em nível mundial, destacando cinco etapas progressivas nos níveis de integração: Zona de Tarifa Preferencial (ZTP), Zona de Livre-Comércio (ZLC), União Aduaneira (UA), Mercado Comum (MC) e Comunidade Econômica (CE).

O impacto destas grandes tendências mundiais na economia brasileira a partir da última década se manifestou em um aumento substancial das franquias e de fusões empresariais, especialmente no setor financeiro, de seguros e farmacêutico, incrementando o investimento estrangeiro direto.  Ao mesmo tempo, a quantidade de concordatas cresceu drasticamente. A privatização das empresas estatais e a desestabilização do mercado de trabalho são também fenômenos que marcam a economia brasileira neste período.  

Neste contexto, os autores argumentam que, para o Brasil, o Mercosul representa uma forma de fortalecer e ampliar seu mercado interno, uma inserção internacional mais ativa e sua afirmação como potência econômica regional.  Neste sentido, a competitividade e o fortalecimento da eficiência produtiva são fundamentais.

Luciano Coutinho, em seu artigo Impactos potenciais da adesão a áreas de livre-comércio sobre a indústria brasileira, discute os efeitos de uma possível consolidação da ALCA sobre a estrutura industrial brasileira, a partir da análise da competitividade em 20 setores industriais selecionados. Neste esforço, são descritas as ações políticas mais relevantes para que cada setor e o conjunto da economia possam atingir níveis competitivos que permitam aproveitar oportunidades e reduzir as ameaças impostas pela aceleração da liberalização comercial, no entendimento de que é necessária a geração de superávits comerciais expressivos como condição imprescindível de sustentabilidade macroeconômica, que permita que a taxa de juro doméstica possa ser reduzida irreversivelmente.

Para o autor, a liberalização comercial imposta no âmbito das Américas, ou por meio de um acordo com a União Européia, encontrará a indústria brasileira em uma situação competitiva heterogênea e deficiente, inclusive nos setores competitivos, que não necessariamente obteriam benefícios significativos, visto que já possuem uma participação importante nos mercados europeu e americano, e qualquer lucro comercial dependeria de um improvável desbloqueio de acesso aos mercados desenvolvidos. Enquanto que, para a maior parte dos setores, uma pressão competitiva exercida por rivais mais eficientes representaria um alto risco para a estrutura industrial, afetando a configuração produtiva local com conseqüentes reflexos negativos sobre a renda agregada e o emprego. Diante deste panorama, o país deve adotar uma política cautelosa de negociação e apresentar um grande esforço de desenvolvimento competitivo da indústria brasileira. Sem isto, o potencial transformador da integração econômica e comercial se converteria em fator capaz de gerar uma crise na estrutura industrial e prejudicaria a recuperação sustentável do desenvolvimento socioeconômico do país.

No artigo A presença do narcotráfico na economia informal, Argemiro Procópio afirma que o negócio das drogas e narcóticos se transforma em um mecanismo de integração paralela no continente, colocando à sua disposição, por meio de seu poder de corrupção, expressivos segmentos das elites dominantes na região. Suas ramificações atingem segmentos em praticamente todos os níveis sociais, incluindo as forças criadas para seu controle e erradicação, fazendo uso de uma complexa capacidade operativa para além dos limites de um Estado nacional e  conformando cartéis, de onde se desprende a impossibilidade de combater o narcotráfico isoladamente. O dinheiro, proveniente do negócio da droga, se converte em um formidável agente da globalização e um poderoso instrumento de corrupção.

No Brasil – que é o segundo consumidor mundial de drogas – a economia da droga, em contínua expansão, e a economia informal estão intimamente ligadas; ambas nascem e crescem independentes da burocracia e dos órgãos oficiais, e escapam do controle do Estado. A economia informal capitalista, segundo o autor, reproduz com brutalidade as injustiças da economia formal, fazendo de seus empregados vítimas fáceis do autoritarismo nas relações de trabalho, e acabam desprotegidas, vítimas da própria ilegalidade a que servem. Os espaços sociais fronteiriços se convertem em zonas de instabilidade nas mãos do narcotráfico, sem nenhum esforço do Estado ou dos acordos de cooperação hemisférica para oferecer saúde, educação, trabalho e justiça social, isto é, elementos fundamentais para destruir definitivamente a ligação entre o narcotráfico e a “economia da sombra”. 

Eduardo Portella, no seu texto Celso Furtado: Lição e exemplo, faz uma justa homenagem a Celso Furtado, destacando, ao mesmo tempo, a profundidade da sua obra e a importância de sua atuação política como ministro de Planejamento e ministro da Cultura. Sem dúvida, Celso Furtado é uma referência fundamental no pensamento econômico contemporâneo e é um claro exemplo da vitalidade do pensamento social latino-americano.

Finalmente, apresentamos o discurso de Eurico de Lima Figueiredo em homenagem à memória de René Dreyfuss, cuja obra profundamente criativa serve de valioso material de análise para as novas gerações. Mas, sobretudo, cujo exemplo de coerência e honestidade renova nossa convicção de que a humanidade não pode frear por muito mais tempo seu avanço em direção a formas superiores de organização que aproveitem suas infinitas forças vitais em favor do ser humano e de seu próprio e pleno desenvolvimento.

*Mestranda de Ciência Política do PPGCP/IFCS/UFRJ.

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