CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE A CARREIRA POLÍTICA NO BRASIL*

 

                                   
  
José Elias Domingos Costa Marques** 


- Sistemas Partidários e Carreiras Políticas: as análises congruentes.

 

A Ciência Política brasileira possui uma vasta produção bibliográfica de temáticas sobre Sistemas Partidários e Regimes Eleitorais. Esta constante produção acerca destes temas vem evidenciando grandes debates que com certeza contribuem para o enriquecimento do aprimoramento e entendimento científico da área no Brasil. Debates estes que abrangem inclusive literaturas brasilianistas sobre os partidos no Brasil. Existem nestes estudos aqueles que defendem a fraqueza e defasagens do sistema partidário brasileiro, procurando mostrar que, por diversas vias de interpretação, o partidos no Brasil, em sua ampla maioria, constituem em elementos poucos representativos enquanto órgãos institucionalizados. [1]

Em contrapartida, principalmente a partir da segunda metade da década de noventa, algumas produções voltadas para a análise das atuações das bancadas partidárias na Câmara dos Deputados valorizando inclusive a composição das mesmas apontam uma outra perspectiva em relação a correntemente apontada. Neste novo enfoque, os partidos políticos são apontados não mais como meros instrumentos de ambições individuais, mas sim de agentes significantes de atuação em votações e outras atividades político-partidárias dentro da Câmara dos Deputados. Ou seja, nesta vertente, os autores procuram provar que, apesar de todos os pesares, de todas as discrepâncias os partidos são ainda são peças chaves no cenário político nacional. [2]

O que não está tão presente neste tipo de debate, e que, infelizmente, ainda é um tema pouco abordado pela literatura nacional, é o debate sobre o papel de analisar as composições de carreiras dos políticos para enfim melhor se compreender não somente empreendimentos científicos direcionados exclusivamente para estes estudos, mas também no que eles implicam na compreensão dos sistemas partidários.

Talvez no Brasil, os estudos de carreira política que mais se voltam para a tentativa de usar este referencial analítico como forma de se compreender os sistemas partidários são os estudos de Leôncio Martins Rodrigues, em seu texto “Partidos, Ideologia e Composição Social”(2002) e mais recentemente os estudos de Rafael Madeira, tanto em sua dissertação de mestrado intitulada “Arena ou Arenas? – A coesão partidária da legenda do regime em três estados brasileiros”(2003) como também em seus primeiros capítulos de sua tese de doutorado [3] .

Leôncio procurou, de maneira pioneira nos estudos de sistemas partidários, realizar uma análise da composição social dos membros do Legislativo nas últimas três eleições (1990, 1994 e 1998), bem como a congruência partidária nos perfis de recrutamento seguindo características sócio-ocupacionais e ideológicas pertinente, singularmente, a cada partido. Ou seja, Leôncio procura apontar que, através destas características sociais dos deputados, era possível diferenciar os partidos sob vários aspectos, tanto em termos ideológicos como em perfil de atuação no Congresso.

Madeira, por sua vez, avaliou a composição da Arena durante o regime militar, nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. O autor procurou provar que existe uma transposição de influências de denominadores comuns no período multipartidário anterior (45 a 64) ao atual em questão (64-85). Esta transposição se evidencia nos quadros pertencentes aos novos partidos que se criaram (Arena e MDB).

 

Partidos Novos = elemento de descontinuidade

¹

      Quadros Não-Novos = elemento de continuidade

        

         Madeira afirma, com isso, que, apesar da estrutura e do sistema partidário ter-se alterado, isto em poucos aspectos mexeu com a composição do parlamento. Muitos políticos “antigos” continuaram a exercer influência no cenário político nacional.

 Paralelo a estas idéias, KINZO (2002) contribui para realçar esta visão da importância dos estudos de carreira quando afirma que:

 

talvez seja também por isso – em face da maior     ênfase no recorte estritamente político – que os estudos recentes  sobre a problemática partidária tenham deixado  para o segundo plano um dos aspectos fundamentais da análise, qual seja, o exame das bases sociais na ação política” (Kinzo, 2002, pg.161) 

 

         Passível de observação é que, se este exame das bases sociais se torna fundamental nas interpretações de sistemas partidários, como afirma Kinzo, porque então os estudos correntes nesta linha são ainda escassos na Ciência Política Nacional?

         Esta é uma pergunta que não cabe aqui estar sendo passiva de ser respondida. O que interessa em si aqui neste pequeno tópico é tentar mostrar que, a relevância dos estudos de carreira de fazem cruciais para o enriquecimento dos estudos sobre sistemas partidários. E isto ficou evidente nas análises de Rodrigues e Madeira.

- Estudos de Carreira Política em si.

 

         Os estudos de carreira política, como já foi dito no início deste trabalho, ainda se situa num campo pouco explorado pela Ciência Política Nacional. Os primeiros estudos nascem no período da Ditadura Militar, um período onde o Brasil, nas palavras de SANTOS (20000):

 

 vivia um momento político extremamente delicado quando surgem os primeiros estudos sobre carreira política e composição social das elites parlamentares” (Santos, 2000, pg. 93)

 

         O trabalho de Maria Antonieta Leopoldi, intitulado “Carreira Política e mobilidade social: O legislativo como meio de ascensão social” (1971), juntamente com o trabalho de Nilda Pitta e José Maria Arruda, intitulado “Composição sociológica da Assembléia Legislativa do estado da Guanabara(1966)  podem ser considerados os primeiros estudos deste gênero no Brasil.

Leopoldi aponta os resultados de um estudo feito com os políticos do antigo Estado da Guanabara, e se baseou precisamente em entrevistas com os candidatos a Deputado Estadual e Federal pelo então Guanabara nas eleições de 1970.

Deste trabalho saíram vários artigos da autora, inclusive um sobre carreira política. Também foi a partir deste trabalho que alguns outros, localizados especificamente neste estudo de caso foram realizados. [4] Percebe-se que é no Rio de Janeiro, mais especificamente no antigo estado da Guanabara, que germinam os primeiros interesses pelas análises de composições e trajetórias de políticos em suas carreiras e a forma como isto interferia no sistema político.

E quando as produções realizadas, a maioria volta-se para análises sobre a Câmara dos Deputados. Aliás, não somente nos estudos de carreira política esta “casa” anda merecendo muitos flashes de estudos, mas também, por exemplo, os estudos de Partidos Políticos procuram voltar os olhos sobre ele para manifestar conclusões a respeito de tal.

         Uma maior facilidade de sintetizar dados, um espaço que aglomera quase todas, senão todas as tendências políticas (partidárias, geográficas, ideológicas) provavelmente devem ser os motivos que levam os estudos a voltarem-se para a Câmara.

Sobre o Senado Federal existem alguns trabalhos, sendo deles o mais voltado para os estudos de carreira em si, a produção de Leany Lemos “Carreras Políticas en el Senado Brasileño: un estudio de las composiciones del Pleno y de la Comisión de Constituicón, Justicia y Ciudananía en la década de 90”(2001).

Referente ao cargo de Deputado Estadual, não foi encontrada nenhuma referência nacional de produções voltadas para o estudo de carreira. O que na realidade foi encontrado, e isto não se restringe a este cargo, mas também a políticos de todas as esferas da política brasileira, são produções biográficas individuais, sejam elas positivas (fazendo alusão a sua figura e ou com autorização do político ou mesmo autobiografias) ou críticas. Um número muito grande de biografias dos mais variados tipos de políticos podem ser encontradas não somente em livrarias (restritas aos políticos mais “notáveis” ou influentes [5] ), mas também em páginas de internet e em folhetos em campanhas eleitorais (o que os marketeiros políticos chamam de “biografia de minuto”.

         Na antropologia política encontramos algumas referências ao cargo de Vereador, a mais notável delas provavelmente estando na tese de doutorado de Karina Kuschnir, “O Cotidiano da Política”(2000).

 

- Estrutura de Carreira Política no Brasil

 

MIGUEL (2003), ao fazer uma tímida consideração sobre estrutura de carreira política no Brasil afirmou que esta ainda era objeto pouco estudado e pouco delineado. Em suas palavras:

 

é possível estabelecer uma “estrutura de carreira política no Brasil, ainda que, devido à falta de estudos específicos, apenas de maneira intuitiva” (Miguel, 2003, p.116)

 

         Esta estrutura de carreira, quando o autor a denomina de intuitiva, diz respeito as pré-condições que delimitamos quando afirmamos que, por exemplo, o cargo de Vereador situa-se em um nível abaixo do cargo de Deputado Federal e, conseqüentemente, um político que tenha passado do primeiro cargo para o segundo, diz-se que ele subiu na carreira, ou , utilizando o conceito de Schlesinger (1966), teve “ambição progressiva”.

          Como mostra a (figura 1) [6] , a estrutura de carreira pode ser pensada tendo como o Vereador na Base da hierarquia de carreira e o cargo de presidente o topo, o ápice da carreira política no Brasil.

 

    

         Mesmo assim, é difícil delinear até que ponto um cargo pode ser considerado “superior” ao outro. SANTOS (2000) afirma que isto vai depender do grau de influência decisória e poder de agenda que o cargo exerce em determinado contexto histórico ou político. Leoni, Pereira e Rennó (2003) irão defender a tese de que muitos políticos enxergam em seus cargos postos que consideram legitimamente oportunos e importantes, o que lhe incentiva em amplas possibilidades de permanecer no mesmo.

            Seja como for, fica evidente a carência que estudos relativos a esta área fazem para a compreensão do sistema político brasileiro. Se um cargo é melhor ou mais importante que o outro, isto fica a critérios subjetivos que podem estar passivos de mudanças dependendo do perfil de visão do mesmo. O que se deve levar em conta é se esta estrutura que aparentemente está posta pode ser realmente considerada aos moldes como podemos e nos limitamos supor hoje. 

Bibliografia

AMES, Barry. “Os entraves da democracia no Brasil”. Rio de Janeiro: FGV, 2001(a).


FIGUEIREDO, Argelina e LIMONGI, Fernando. Executivo e legislativo na nova ordem constitucional. São Paulo: Ed. da FGV, 1999.


FILHO, George A. “Clientelismo e política no Brasil: revisitando velhos problemas”. Novos estudos CEBRAP Nº 38, março, 1994.

 

KINZO, Maria D'Alva. “Bases sociais do recrutamento político no sistema partidário brasileiro”. Revista brasileira de Ciências Sociais, vol.17, no.50, p.161-162, out. 2002.

_____________.”A democratização brasileira: um balanço do processo político desde a transição”. Perspectiva, São Paulo, vol.15, n.4, p.3-12, dez. 2001

 

KUSCHNIR, Karina. “O Cotidiano da Política”.v.1. p.162. Jorge Zahar, RJ. 2000.

 

LEMOS, L. B. de S. & RANINCHESKI, S. “Carreras políticas en el Senado brasileño: un estudio de las composiciones del Pleno y de la Comisión de Constitución, Justicia y Ciudadanía en la década del 90” [Political careers in the Brazilian Senate: a study of the make-up of the Floor and the Constitution, Justice and Citizenship Committee in the 1990s]. LATEINAMERIKA ANALYSEN, Ibero-American Studies Institute, Hamburg (Germany), n. 4, 2003.

 

LEONI, Eduardo, PEREIRA, Carlos, e RENNÓ, Lúcio. “Estratégias para sobreviver politicamente: escolhas de carreiras na Câmara de Deputados do Brasil”. Opinião Publica, vol.9, no.1, p.44-67, maio,2003.

 

LEOPOLDI, Maria Antonieta Parahyba. “Carreira Política e mobilidade social: o Legislativo como meio de ascensão social”. Revista de Ciência Política, n.7, p. 83-95, 1973.

 

MAINWARING, Scott. “Partidos Políticos e Sistemas Eleitorais: o Brasil numa perspectiva comparada”. Novos Estudos Cebrap, n.29. SP, 1991.

 

MADEIRA, Rafael Machado. “ARENA ou ARENAs? A coesão partidária da legenda do regime em três estados brasileiros” Dissertação de Mestrado apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciência Política – PPG Ciência Política/UFRGS, 2003

 

MARENCO DOS SANTOS, André. “Nas fronteiras do campo político: raposas e outsiders no Congresso Nacional”.Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 33, p. 87-101, 1997.

 

____________. “Sedimentação de lealdades partidárias no Brasil: tendências e descompassos”.Revista Brasileira de Ciências Sociais, n.45, vol.16, p.69-83, fev. 2001.

 

MENEGUELLO, Rachel e LAMOUNIER, Bolívar. Partidos políticos e consolidação democrática: o caso brasileiro. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986.

 

MIGUEL, Luís Felipe. “Capital político e carreira eleitoral: algumas variáveis na eleição para o Congresso brasileiro”. Revista de Sociologia Política, n.20, p.115-134. jun. 2003,


NICOLAU, Jairo M. Multipartidarismo e democracia: um estudo sobre o sistema

partidário brasileiro (1985-94). Rio de Janeiro: Editora FGV, 1996. 

RODRIGUES, Leôncio Martins. “Partidos ideologia e composição social”. Revista. Brasileira de Ciências Sociais, vol.17, n..48, p.31-47, fev 2002.

 

SANTOS, Fabiano. “Deputados Federais e instituições legislativas no Brasil: 1946-99”. In BOSCHI, Renato et alli, Elites políticas e econômicas no Brasil contemporâneo: a descontrução da ordem corporativa e o papel do Legislativo no cenário pós-reformas. Konrad Adenauer, p.91-117, 2000.

 

SCHLESINGER, Joseph A. “Ambition and politics: political careers in the United States”. Chicago: Rand McNally, 1966. 

 _______________. “What’s next? Choice of Career and Electoral Performance in the Brazilian Chamber of Deputies”, paper presented in APSA Congress, Chicago, 2004.



NOTAS:

[1] Dentre estes estudos destacam-se as produções de Meneguello e Lamounier, 1986; Mainwaring 2001; Ames, 2001; Filho, 1995.

[2] Ver Nicolau, 1996; Meneguello, 1998; Figueiredo e Limongi, 1999; Rodrigues, 2002.

[3] Felizmente pude ter acesso aos primeiros dois capítulo da tese de Rafael Madeira, no qual foi-me envida pelo próprio autor, que ainda está realizando suas pesquisas no mesmo.

[4] Alguns exemplos são Maduro, Laranjeiras e Vianna  “Estudo da Representação Política no estado da Guanabara” (1971), Maduro, Herescu e Abreu Os representantes do município do Rio de Janeiro” (1980), Forjaz “Os Deputados de São Paulo:trajetória social e política” (1985)

 

[5] Posso exemplificar como exemplo citando o livro sobre a vida de José Serra “O Sonhador que Faz - A Vida, a Trajetória Política e as Idéias de José Serra”,por Teodomiro -Ed. Record, uma biografia sobre o Lula “A História de Lula - O Operário Presidente”, por Britto –Ed. Espaço e Tempo,  uma crítica sobre Antonio Carlos Magalhães “Memórias das Trevas - Uma Devassa na Vida de Antonio Carlos Magalhães”, por Teixeira Gomes –Ed. Geração, e uma autobiografia sobre o mesmo cujo título é “Política e Paixão”-Ed. Revan.

 


Resumo: o presente artigo tem como objetivo apresentar algumas discussões e produções sobre um assunto relativamente pouco explorado na Ciência Política Brasileira: a temática de carreiras políticas. O texto explora três pontos, relacionando, num primeiro momento, a congruência entre estudos de sistema partidário e carreiras políticas; num segundo momento os estudos propriamente voltados para o foco das carreiras políticas; e por fim a apresentação de uma estrutura de carreira política brasileira. 

 

Palavras-chave: carreira política, recrutamento partidário, sistema partidário, sistema político, ciência política, sociologia política.

 

 

* O texto corresponde, com algumas modificações, a um dos tópicos de discussão originalmente apresentados em minha monografia de conclusão de curso.

 

**José Elias Domingos Costa Marques é mestrando em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos e, juntamente com o Professor Doutor Eduardo G. Noronha, trabalham em um grupo de pesquisa sobre políticas locais e municipalidades, vinculado ao CNPQ.

 

Contato: jedomingos@uol.com.br 

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