Resenha de Gizlene Neder* do livro:

Autoritarismo Afetivo: a Prússia como sentimento

Gisálio Cerqueira Filho,

Editora Escuta, São Paulo, 2005.                                                 

 

         O livro de Gisálio Cerqueira Filho “Autoritarismo Afetivo: a Prússia como sentimento” vem em boa hora. Boa hora, primeiramente, porque atualiza e sintoniza o leitor brasileiro em assuntos que, aparentemente, estão muito distantes, pois que referidos a uma região distante: a Prússia. De fato, a Prússia, enquanto região e formação histórica, estaria longe dos brasileiros em dois sentidos. No sentido geográfico, porque se situa no leste europeu, onde os problemas das fronteiras imaginárias e histórico-sociológicas entre ocidente e oriente estão distantes de qualquer vivência afetiva entre nós; lá estes problemas pululam e produzem efeitos políticos, ideológicos, sociais e psicológicos que se traduzem nas vivências e práticas de seus habitantes, homens e mulheres de carne e osso. No sentido histórico, há, também uma aparente distância: a Prússia – a designação da região situada á nordeste da Alemanha – deixou de figurar nos mapas e Atlas históricos desde o segundo pós-guerra (1945). Historicamente, portanto, a Prússia estava associada à formação de um Estado Absolutista, dentro do Império Germânico, pela Casa do Hohenzollern através da unificação Bradenburgo-Prússia, desde 1608.

 

         Entretanto, distanciamento geográfico e histórico à parte, um estudo que toma a Prússia como tema é atualíssimo e nos dizem muito respeito. Atualíssimo, pois dentro em breve, os alemães da região do Bradenburgo deverão comparecer ás urnas para votar, num plebiscito, acerca da pertinência do retorno da designação Prússia para a região. Os leitores brasileiros terão, então, uma rara oportunidade de ler e se informar acerca de vários aspectos relativos àquela região. O plebiscito está sendo convocado devido à proscrição das expressões Prússia, prussiano terem sido suprimidos (reprimidos) por estarem associados ao autoritarismo inscrito na ideologia autoritária e nas práticas nazistas. De outro lado, a  atualidade do estudo de Gisálio Cerqueira Filho, e a sua pertinência e validade social para nós brasileiros, deve-se, sobretudo, ao enfoque adotado pelo autor. Ao falar do absolutismo afetivo de lá – dos prussianos – Gisálio Cerqueira nos brinda com um estudo sobre o absolutismo afetivo que perambula pela formação ideológica e afetiva brasileira. Seu enfoque difere, portanto, daqueles estudos que, na década de 1980, buscaram teorizar acerca da “via prussiana” de passagem á modernidade, e trabalharam no sentido da identificação dos métodos, formas e articulações políticas moderno-conservadoras que, na formação histórica e política brasileira, aproximavam-na do prussianismo.

 

         Intelectual crítico, de longa carreira no ensino e na pesquisa nas Ciências Sociais no Rio de Janeiro, sempre com preocupações teóricas e metodológicas situadas na busca das inovações epistemológicas que tem implicado estudos sobre o poder e o campo político nas fronteiras entre a Ciência Política, a Sociologia, a História e a Psicanálise, o autor realiza neste livro uma pesquisa sobre sentimentos e emoções relacionados ao autoritarismo afetivo, a partir da literatura e do que ela tem a nos oferecer enquanto sintoma e pré-texto, para a prática teórica que o tempo presente, na sociedade brasileira, está a exigir. O exercício metodológico é feito á partir de uma perspectiva onde o humanismo crítico salta à vista e não dá para que o leitor, diante da alusão ao prussianismo, enquanto sentimento, não pense no autoritarismo afetivo nosso de cada dia.

 

         O estilo é o do ensaísmo acadêmico erudito e refinado, colocado sob a forma de uma narrativa clara e instigante.

 

* A autora é Professora do Departamento de História da UFF.

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