A INDEFENSÁVEL PRÁTICA DO NEPOTISMO

 

 

Siro Darlan de Oliveira*

 

 

O debate continua desde que a Associação dos Magistrados do Brasil, entidade que congrega mais de 13710 sócios, encaminhou ao Conselho Nacional de Justiça solicitação de proibição da prática do nepotismo no judiciário brasileiro. Atendendo a esse anseio antigo dos magistrados o CNJ aprovou Resolução proibindo a contratação de parentes de magistrados em cargos comissionados.

 

         Quando todos pensavam que esse ato saneador seria tomado como o exemplo que faltava para que outros poderes da República fizessem o mesmo, surge uma inexplicável reação de setores do próprio judiciário contestando a medida moralizadora com manifestações que vão desde a pregação da desobediência civil, vejam a que ponto chegam os desprovidos de limites éticos, até a resistência através de medidas judiciais.

 

         O que parece incrível é que enquanto esperava-se a aprovação unânime, a resistência veio justamente daqueles que têm a obrigação de “dar exemplos”. É vergonhoso ver a justificativa daqueles que buscam o favorecimento de seus familiares em detrimento do interesse público ao qual devem servir por dever do compromisso da posse e por força da própria função que exercem como servidores da causa pública. Esse tipo de prática só favorece a constituição de formas de poder que colocam os interesses privados acima do público e criam dentro da coisa pública ilhas de domínio particular.

 

         Os argumentos que procuram para justificar o nepotismo são insubsistentes, eis que a confiança e a competência profissional encontram-se na massa de servidores que se submetem aos rigorosos concursos públicos, aos quais podem e devem se submeter os parentes que desejarem ingressar no serviço público em igualdade de condições, como manda a boa prática democrática da república. Se por um lado afirmam alguns que nepotismo não é sinônimo de corrupção, em algumas ocasiões, pode até ser a moeda de troca, quando há o favorecimento de parentes em detrimento de outros concorrentes em concursos públicos, e dessa forma ser apenas mais um componente do ato de corromper.

 

         Amplia-se, desse modo, o espectro conceitual da palavra nepotismo que vai além do favorecimento dos sobrinhos e outros parentes no exercício dos cargos comissionados dos tribunais. Eis aqui outra semelhança da cúpula do judiciário brasileiro com as antigas práticas eclesiais que também escolhem sua Autoridade Máxima através de um Colégio restrito de Cardeais, sem, no mínimo, a participação direta de todos os magistrados, e nenhuma participação popular, embora a Carta Magna reconheça que “todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido”.

 

         Não é exagero afirmar-se que também pratica o nepotismo aqueles que contratam empresas de parentes para prestação de serviços diversos, como, por exemplo, a assessoria de imprensa de uma associação, que sem a necessária licitação, elege a empresa de um parente. Outra forma muito conhecida é a contratação de parentes cruzados, ou seja, um magistrado escolhe a filha do outro, que em contrapartida contrata o parente do primeiro, numa clara demonstração do dolo de fraude.

 

         Pode-se ainda considerar uma forma de favorecimento a prática de advocacia administrativa através de parentes de magistrados que são maciçamente contratados por poderosos escritórios de advocacia, onde alguns se especializaram na contratação de magistrados aposentados recentemente, e ainda com fortes influências sobre juízes que estando na ativa em algum momento se utilizaram dos poderes dos agora aposentados, mas não inativos.

 

         É possível ainda afirmar que o favorecimento pode macular atém mesmo os concursos públicos quando não há uma rigorosa fiscalização na escolha das bancas e execução das provas de conhecimento e de títulos.

 

         Enfim são essas nebulosidades que marcam essa prática cada vez mais condenável do nepotismo. Alguns transvestem-se de vestais da moralidade e condenam o nepotismo desde que a reprimenda não atinja os parentes favorecidos. O debate tem sido rico porque obriga os seus partidários a saírem do armário e assumirem publicamente o que buscam efetivamente quando afrontam os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da eficiência em benefício do favorecimento de sobrinhos e parentes.

 

         É bom que o exemplo tenha partido do Judiciário, poder que tem o importante papel de regente da república, assim com é bom que o debate que ora ocorre internamente seja levado ao conhecimento da opinião pública para que esse mesmo poder, que tem recebido tão elevado índice de rejeição popular, busque seu aperfeiçoamento permitindo que o povo participe de sua gerência e provendo o maior e melhor acesso popular à justiça  e aos tribunais, democratizando a escolha de seus dirigentes.

 

 

* Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

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