RESENHA
Rodrigues,
Cristina. Frans Krajcberg: o intérprete da natureza
Rio de
janeiro: ed. Maanaim. 2002, 92p.
É possível que o notável artista da
natureza, Frans Krajcberg, só agora tenha percebido com clareza o caráter
fenomenológico impresso no seu labor artístico em defesa disso que configura a
expressão originária do mundo: a natureza.
A autora consegue mostrar esse
itinerário krajcberguiano, desde a perplexidade do artista frente à acelerada
destruição da natureza pela via das “queimadas” das nossas matas, até ao
mostrar-se da sua revolta, com os instrumentos espirituais e técnicos da
produção artística, reverenciada e admirada entre nós e em várias partes do
mundo civilizado.
De maneira clara e compreensível até
mesmo por leitores sem qualquer iniciação nos meandros da filosofia da arte, a
Autora mostra, ao longo do texto, os sentidos perceptíveis na expressão de
Mirian de Carvalho, crítica de arte e respeitável Professora de Estética da
UFRJ/IFCS:
“E se
a fenomenologia de Husserl nasceu de uma crise da ciência, podemos dizer que a
arte de Krajcberg nasceu de uma crise do homem numa sociedade auto-destrutiva,
mas essa mesma arte irrompeu numa tomada de consciência do artista em crise,
traduzindo-se plasticamente para superar a presença da morte antecipada na
destruição da natureza”.
A essa belíssima intuição
interpretativa acrescentaríamos que o itinerário fenomenológico, tomando como
ponto de partida a constatação de uma crise nas ciências, acabou por desaguar
na percepção da crise da humanidade européia, tão bem descrita e pensada
por Husserl, nos últimos anos de sua atividade meditativa. E o que se percebe
nesta obra de Cristina Rodrigues é uma bem sucedida tentativa de análise fenomenológica
da arte de Krajcberg, mostrando um modo de ver a natureza inteiramente
comprometida com o seu manifestar-se nas variâncias da sua própria
destruição levada a efeito pelo homem – não somente o homem brasileiro.
Objeto de arte é a natureza, não a
partir dos modos de representação exercidos pela subjetividade humana, mas
desde a sua manifestação originária. Não existe diálogo humano válido fora do
diálogo com a natureza. Toda a intersubjetividade compreensiva, enquanto
possibilidade originária da própria sobrevivência da humanidade, se desenvolve
a partir desse vivido enquanto naturalidade posta à consciência
intencional. E é no turbilhão das incompreensões humanas que se inscreve a
intencionalidade perceptiva operante sobre a natureza, na sua infinita tarefa
de descoberta de sentidos e significados.
A arte de Frans Krajcberg é essa visada
amorosa da natureza, no seu lento, mas irreversível perecimento. Irreversível
enquanto perdurar o instinto de auto-destrutividade que permeia o espírito do
capitalismo reduzido hoje à “competitividade” (espero que as próximas gerações
registrem essa palavra no sentido pejorativo que ela adquirirá nas décadas que
advirão).
Frans Krajcberg: o intérprete da
natureza é escrito que deve ser lido por tantos quantos amam a
natureza, a arte e a filosofia, reduto último dos descontentes.